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A PCOA DA RESSUREI?O

Terri Schiavo.jpg
Como a Semana da Paixão sempre provoca reflexões sobre a vida e a morte, temos falado bastante – à volta da nossa távola retangular – do que seria um possível direito à morte e quem poderia reivindicá-lo para terceiros.
O direito de escolher para si mesmo uma morte decente, sem sofrer o aviltamento da dor constante ou tornar-se um fardo penoso para os que estão próximos, me parece um direito quase inalienável de qualquer pessoa mas há veementes argumentos contrários, apoiados principalmente em convicções religiosas.
A legislação suíça e a holandesa permitem o “suicídio assistido” para doentes terminais lúcidos mas a defesa intransigente da vida é uma constante nas Constituições ocidentais (não sei como o Oriente trata estes assuntos).
O avanço acelerado da Ciência nas últimas décadas está nos obrigando, cada vez mais, a rever nossos conceitos sobre a vida e a morte. Até pouco tempo, vida e morte pertenciam ao território do fortuito ou da vontade de Deus. Mas hoje, criamos bebês de proveta, podemos clonar qualquer ser vivo e adiar a morte quase indefinidamente com aparelhos sofisticados ou congelamento. A “vontade de Deus” ficou bastante relativa diante do nosso progresso e mais cedo ou mais tarde seríamos convidados a definir os limites para as nossas possibilidades. Talvez poder fazer nem sempre signifique que devamos fazer.
O caso de Terri Schiavo, em coma há 15 anos, sem chances de recuperação e mantida viva com auxílio de aparelhos, está mobilizando tanto a opinião pública porque suscita uma questão dentro de cada um de nós – o quê eu faria, se fosse esta mãe, este marido ou este juiz?
Os religiosos esperam a orientação canônica da sua Igreja para saber como pensar. Alguns apressadinhos “acham” rapidamente qualquer coisa e saem com faixas e cartazes para defender o achamento. Outros, apenas ficam perplexos. Não se trata de decidir o que “eu” gostaria que fizessem comigo. Trata-se de definir o que é Vida. Ou, na sua ausência, a Morte. Há 100 anos, isto seria muito fácil; hoje, é complicadíssimo.
Parece que existem alguns milhares de pessoas nas condições de Terri, só nos Estados Unidos. É justo destinar recursos e leitos de hospital para quem não tem a menor possibilidade de recuperação? Por outro lado, quantos diagnosticados como irrecuperáveis não se recuperaram? Quanto tempo é razoável que se espere pelo milagre, 1 ano, 15 anos, 40 anos?
As leis são sempre cautelosas quando concedem direitos. Primeiro vem o ventre livre, depois os sexagenários e só então a abolição. Terri é uma vítima não só do destino quanto da morosidade legal. Foi permitido o desligamento do tubo milagroso, só isso. Não foi nem reivindicado o direito a uma injeção letal porque seria eutanásia. scream.jpgEntão, parece que Terri vai morrer de morte bastante primitiva: de fome e sede, o que, afinal, é cruel, quando existem recursos para impedir. E caímos no círculo vicioso.
Talvez, daqui a 20 anos, haja definições mais claras, não só legais mas também filosóficas, para a Vida, já que a vida humana deve ser protegida em todas as suas formas, é um consenso. Talvez não se permita que a Ciência fabrique zumbis – corpos mortos mantidos vivos artificialmente, à espera de um milagre futuro – se ainda não pode devolver-lhes a vida plena nem dar-lhes, porque ilegal, a morte de direito.
E a gente não passe a Páscoa com estas questões angustiantes a verrumar os miolos: mas, afinal, a Terri está viva? E o Timothy Leary?

10 Responses to “A PCOA DA RESSUREI?O”

  1. Idelber says:

    Que texto maravilhoso, pungente, agudo: são muitos mesmo os paradoxos desse caso, em que os fanatismos que se arvoram “em defesa da vida” acabam se tornando uma força mortífera, não é mesmo? Você pegou muito bem neste post :)

  2. Artur says:

    “Complicar o simples” – frase recorrente da sabedoria alterosa de minhas avós que soa forte nessas horas.

  3. Maria Helena says:

    Idelber,
    O ortodoxo é tedioso, desde os tempos bíblicos. O heterodoxo é perigoso, sempre acaba na fogueira. Só o paradoxo admite uma boa discussão.
    Volte outra vez!

  4. Maria Helena says:

    Artur, meu Rei,
    Definir “vida” pode não ser complicado mas simples não é. Uma criança não teria dificuldade, os filósofos ainda não chegaram a uma conceituação aceitável (você conhece alguma boa definição de vida?).
    E dizem que o mineiro simplifica, o carioca complica e o paulista se dá bem. Será?
    É um prazer rever (ou reler) você.

  5. Armando G says:

    D. Maria Helena
    Que saudades…mas acabei achando esse esconderijo novo. Muito bom viver de aluguel mas teto proprio é outro papo né?!
    Parabens para a dupla e sucesso para o “novoa em folha”. Vou linkar voces no herois…

  6. Ricardo says:

    Mais condenável que obrigar alguém que não quer, a viver quinze anos com ajuda de aparelhos, é matá-la de fome.
    ***
    Decisão esdrúxula, para dizer o menos.
    ***
    E a anestesia seguida de injeção? Ou é possível evitar a morte cruel apenas àqueles que são (e não “estão”) condenados a morrer?
    Abraços

  7. Clarice says:

    Talvez a tabela de hipóteses faça o papel de carrasco. E se ela tiver consciência? E se ela não estiver entendendo por que não estão mais fornecendo comida? E por aí vai.
    Tenho, covardemente, trocado de canal, cada vez que aparece o rosto dessa mulher, porque avalio isso como um ato que parece ser piedoso, mas é hipócrita e me vejo detestando cada vez mais os americanos ditos tão evoluídos.
    Ao ler seu post acabei criando mais perguntas do que as que já existiam.
    Se um de meus animais de estimação estivesse, irremediavelmente, condenado a grande sofrimento eu sofreria muito, mas decidiria pela eutanásia. Por que negar isso a um ser humano e deixá-la morrer à míngua? E antes dela morrer já programaram a autópsia.Concordo com Ricardo: uma injeção seria menos cruel.
    Não sei se conseguiria me colocar no lugar dela, mas no da mãe dela eu me coloco facilmente.
    A vida não é só isso. Mas transformar isso num circo é degradante!
    Um abraço.

  8. Maria Helena says:

    Armando, saudades também!
    E por onde anda o Herói? Motocando, por aí?
    Casa própria dá trabalho, precisa de manutenção. Inquilino tem vantagens. Mas, já que morar é preciso (ou navegar; ou escrever), a gente acaba com endereço fixo.
    A pé ou de moto, venha sempre!

  9. Maria Helena says:

    Ricardo,
    Nestes tempos esquisitos, vivemos mais do que suportamos. E, do jeito que as coisas vão, não nos basta planejar a vida: devemos nos preocupar também com a morte. Que, afinal, sempre foi assunto do outro mundo.

  10. Maria Helena says:

    Clarice,
    Decidir a própria morte não é tão penoso. Algumas pessoas escolhem uma vida sem complicações e esperam uma morte descomplicada. Eutanásia significa apenas “a boa morte”.
    Mas, decidir para terceiros é muito difícil: e se, apesar de tudo, as pessoas preferirem a vida?
    Dizem que morremos como vivemos – há os desapegados e os que se agarram a qualquer vantagem. Um ano a mais de vida, é lucro ou castigo?
    Você já leu Os Imortais, um conto do Borges?
    Venha mais vezes, para trocar idéias.

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