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Da série “cenas que gostaríamos de esquecer”:
Hoje eu paguei o maior mico da minha vida. Acabo de adquirir, no mercado de usados da internet, um laptop. Era um sonho de consumo – uma máquina de escrever portátil. Estou em plena fase “meu bebê”, achando ele lindinho, passando paninho no monitor, gravando musiquinha. A bateria dele tá meio fraca então de repente apagou. Normal, fui ligar na fonte só que – horror dos horrores – ele não ligou! Verifiquei a tomada, os plugs, abri e fechei várias vezes e nada. Liguei desesperada para o sujeito que me vendeu. Quando ele perguntou “tudo bem?” eu respondi, com a voz embargada e trêmula “Na verdade tudo mal. Ele simplesmente morreu. Já tentei de tudo e nenhum sinal de vida.” Depois que relatei as tentativas frustradas de ressuscitação, ele suspirou e fez a fatídica pergunta: “Você tentou o botão de ligar?”
* * *
Eu sobrevivi à minha ignorância informática num mundo globalizado pela única razão de que fui casada por muitos anos com um cara que entende tudo de computador – pelo menos se comparado a mim. Daí que eu me permiti cultivar um comportamento blasé com relação a assuntos tecnológicos em geral, já que podia pedir auxílio até para acertar o relógio.
Hoje em dia, separada, precisei aprender muita coisa na marra. Mas quem disse que a vida era fácil?
Eu passo vergonha e no entanto estou aqui, aprendendo a ser uma pessoa inteira e não mais a metade de uma laranja. Às vezes é difícil mas a solidão acabou se mostrando mais rica e menos assustadora do que parecia a princípio. Tenho gostado cada vez mais dela, acho até que ando exagerando. Na verdade não acho não, os outros é que acham, porque o isolamento parece um comportamento depressivo e nós vivemos numa sociedade maníaca, voltada pra fora, para o exagero: saia muito, compre muito, faça muito sexo. Isso é que é produtivo do ponto de vista econômico.
Mas a solidão pode ser muito feliz. Aliás, no que diz respeito ao auto-desenvolvimento, ela é dos estados mais férteis, só perdendo para os encontros grandes e verdadeiros – estou falando dos grandes e verdadeiros; um mau encontro perturba a solidão e não faz companhia.
É na solidão que a gente constrói nosso mundo interior e é ele que nos acompanha o tempo todo como interface (olha a metáfora computacional – vivendo e aprendendo) entre a realidade e a experiência subjetiva. Ora, se o meu mundo é rico, eu não vou querer consumir tanto, nem assistir qualquer porcaria, nem sair com qualquer um.
Pra ser bem sincera, preciso confessar uma coisa: estou apaixonada pela minha solidão, está páreo duro até pro príncipe encantado.
Não vou fazer aqui um libelo contra o relacionamento humano, muito menos contra o amor, mas olha o nível em que vivemos a maioria de nossas relações. Já experimentei o modelo do casamento por tempo suficiente para ter uma opinião segura, ao menos para a minha vida atual: a coabitação me parece uma promiscuidade desnecessária, somente justificável para fins reprodutivos. Como eu já tenho um filho maravilhoso, isto está definitivamente fora dos meus planos futuros.
Até mesmo um inocente namoro pode transformar-se num tédio se vocês se permitirem ver faustão juntos na casa da sua sogra num domingão de sol. Você vai sentir aquela angústia difusa, resultado da sensação de estar desperdiçando momentos preciosos que poderiam converter-se em um poema – ainda que sofrível – na leitura de um bom livro ou numa deliciosa, pessoal e intransferível soneca.
O casamento tende a transformar o amor numa espécie (das piores) de emprego público. Você começa empolgado, querendo mostrar que é diferente de todo mundo e não vai se corromper. Mas aí começa a ver que seu lugar é seguro e em seguida vêm os primeiros abusos. Uma falta aqui, uma displicência acolá, as pequenas mágoas e frustrações se acumulando como pilha de processos na mesa da repartição. Se deixar rolar, daqui a pouco tá largando o paletó na cadeira e dando umas voltas por aí. Claro que tem o afeto, o companheirismo e tal mas a rotina pode ser perniciosa, fatal mesmo para o amor.
Não pode querer ter estabilidade no emprego. Tem que viver a escolha do amor o tempo todo, ter a coragem de se recolher de volta a si no momento de viver as próprias dores. Compartilhar o que é bom. O que é ruim, chatinho, cri-cri, cada um vive o seu; o amor não é lixeira. Há que se preservar a beleza do encontro, manter o respeito pela própria solidão e pela do outro. Viver o amor e poder estar só, ter esse trânsito, sem apegos ou cobranças.
Este é o meu ideal romântico, no momento. Ainda não encontrei a fórmula para viver, na prática, uma relação plenamente livre e saudável mas pretendo testar algumas hipóteses experimentais que tenho em mente, assim que encontrar a cobaia ideal. Não estou aceitando ratos nem cachorros; gatos, pode ser (fotos para a redação). Outros bichos serão considerados desde que não grudem nem sejam venenosos. Dá-se preferência aos que possam voar ou, no mínimo, enxerguem longe. E que sejam limpinhos.
Estou muito exigente? Pode ser, mas não faço por menos. A todas essas vou muito bem, só como nasci.
Ainda mais agora que já sei ligar o computador sozinha.

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