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Veja você a minha situação.
Eu sou daquelas pessoas que amam a natureza mas têm pavor de insetos estranhos. Bucólica ma non troppo, sabe como é? Pousadinha na serra é tudo, trilha na mata é 10, Floresta Amazônica é meu sonho de consumo, mas com Raid sempre à mão. Promiscuidade com a natureza tem limites.
Pois é, com animais eu também sou assim. Gosto, com algumas pequenas restrições. Acho fofos, quero que eles vivam e sejam felizes e bem tratados, mas não AMO a ponto de cuidar de um. Acho eles meio fedorentinhos, não sabem falar, e tem o cocô, né? Todo bicho faz cocô. E tem que comer na hora certa, então você tem que estar em casa naquele horário ou, pelo menos uma vez por dia, tem que parar pra pensar nisso.
Você pode argumentar: mas você tem um filho, e isso dá muuuuuito mais trabalho! Verdade, mas existem diferenças, embora não muitas. Em primeiro lugar, ele é cheirosinho, ou tão fedorento quanto qualquer um de nós. Conversa comigo, sabe beijar sem lamber (embora já esteja ensaiando umas lambidas pré-adolescentes nas amiguinhas) e aprendeu bem cedo a fazer cocô sozinho e despachar pelo cano. Por essas e outras, ganhou minha preferência e, quando eu e meu marido começamos a achar que faltava um terceiro pra complicar nossa relação, ao invés de um cão ou um amante, arrumamos um filho. Deu certo, e passamos cinco anos nos distraindo com ele e sem ter tempo de lembrar que talvez não estivéssemos mais tão felizes…
Bom, essa foi minha escolha e nunca me arrependi. Mas tenho uma fraqueza: eu AMO meus amigos. Daí que, às vezes, me deixo levar pela emoção solidária para além dos limites da razão.
Foi assim que, ao ver meu amigo amado em crise de angústia, por não ter onde deixar seu gatinho durante uma temporada de 3 meses na Europa, não resisti: “ah, meu querido, não se preocupe, eu alimento seu gatinho…”
Ei, você achou que eu ia ADOTAR o gatinho? Não, eu disse ALIMENTAR. É que esse amigo é meu vizinho, então eu me propus a ir à casa dele, uma vez por dia, alimentar o gatinho e limpar o cocô – sim, o trabalho sujo também – para que o bichano pudesse ficar em seu próprio lar. A opção em que você pensou (e talvez o meu amigo, secretamente, mas teve a delicadeza de não expressar), ou seja, eu adotar o gatinho durante esse tempo, não seria viável por no mínimo 2 razões. Primeira e mais importante: eu moro com minha mãe, ela tem PAVOR de animais e se recusa a conviver com mais um (além da tartaruga de meu filho que eu impus, garantindo que ela jamais conseguiria chegar a uma velocidade de ataque suficientemente ameaçadora). Segunda: minha casa, durante o dia, vive toda aberta, e dá fundos para a Floresta da Tijuca, portanto seria difícil evitar que o gato fugisse.
Ficamos combinados assim e o amigo partiu, muitíssimo agradecido. A minha rotina ficou pouca coisa mais pesada, apesar do amigo morar num 3º andar sem elevador – pernas, pra quê te quero?. Era todo dia escada-escada-escada, comida, agüinha, cocô, bilu-bilu gatinho, até amanhã. Tranqüilo, não?
Não, não e não. O gatinho não ficou bem. É que o amigo estava em obras. Ah, isso você ainda não sabia, mas eu já, burra. Só que não pensei que fosse dar problema. Na verdade pensei bem pouco em tudo, conforme as coisas iam acontecendo.
Desde o início, o gato parecia um pouco intoxicado, o cocô estava mole e se esparramava para fora do “pipi cat”, o que aliás tornava bem mais penoso o “trabalho sujo”, sem contar que, por conta da obra, o amigo estava sem água (!!!!!!!). Então eu passei a deixar a janela mais aberta e o cocô melhorou. Ufa, resolvido, amigo mais feliz lá do outro lado, tudo certo. Até que.
Campainha.
– Oi, eu sou a vizinha aqui do prédio. Não é você que está cuidando do gatinho?
– Sou, por quê?
– Ele caiu da janela.
…….
Devo dizer logo que o gato sobreviveu. A vizinha foi fofésima, já tinha levado pra sua casa o acidentado e estava aguardando a chegada de sua irmã que, por sorte suprema, era veterinária especializada em emergências felinas. Depois de examinado e medicado, o gato parecia fora de perigo mas inspirava cuidados especiais. Devia ficar em observação, teria que tirar radiografias para apurar uma suspeita de luxação na perna e tinha que tratar escoriações na boca e uma ferida no lombo.
Diante do quadro, me vi na obrigação de recolher o enfêrmo, ainda mais que minha irmã, bem mais empolgada com gatos do que eu, comprou a idéia e se propôs a ser a enfermeira-chefe.
Minha mãe, pobrezinha, foi vencida pelo trágico das circunstâncias e passou a andar pela casa acuada, temendo que saísse das sombras um gato preto para lhe atacar a jugular. E a paz doméstica foi pras cucuias.
No dia seguinte, diante de um novo surto gatofóbico de minha progenitora, resolvi dar um basta na situação e ficou afinal decidido que a namorada do amigo ia assumir o gatinho. Sim, porque o amigo tinha uma namorada desde o início. E você deve concordar que ela seria a herdeira natural, não? Mas é que ela não AMA muito gatos, então ficou aquela coisa de ver, até o último momento, se não havia uma outra solução. Talvez por isso, ela também demorou uns diazinhos pra vir buscar. E minha mãe surtando a cada vez que tinha que sair do bunker de seu quarto.
Até que a menina veio buscar o gato.
Mas aí, cadê o gato? Sumiu. Toca a procurar em todo canto e nada. Fugiu, desapareceu no mato e não voltou até agora. Os vizinhos não viram, nem sinal. Isso tem uns 10 dias.
Tive que contar pro amigo, que ficou arrasado lá do outro lado do mundo. E eu, que só queria fazer-lhe uma gentileza, agora temo que ele me odeie para sempre.

One Response to “Seu gato subiu no telhado”

  1. Laura says:

    Legal su historinha, e saber que ele voltou um dia :)
    bj

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