Eu não tenho varizes, benza Deus. Tenho variz, uma só. Na batata da perna esquerda. Não é das gordas não, aquelas estufadas, é só escurinha, a pobre. Desde que me entendo por gente estava lá e, na minha fantasiosa infância, era a prova inconteste de que meu sangue era azul. Hoje, comprova que eu continuo nobilíssima.
Minha mãe diz que eu tenho mania de falar mal da minha aparência nos textos, que ela me fez tão bonitinha e eu fico detonando sua obra publicamente. Então vou dar uma salvada e dizer que também me acho bonitinha e não tenho do que me queixar quanto às pernas que ostento. Tirando a variz, evidentemente. Mas ainda encaro a minissaia sem crise estética. Meias kendall, só usei na gravidez. Não gosto de meia-calça, que o cós sempre marca a cintura da roupa. E esquenta demais, né? Em lugares frios ou no auge do inverno carioca (cerca de uma hora por ano) ainda vá lá mas, convenhamos, a glória de ser mulher no Rio de Janeiro é poder usar uma sainha no verão. Liberdade para o pernil. Desse prazer, a variz ainda não me privou .
Mérito de minha mãe, que me passou seu gene de perna de bailarina, ela que nunca se curvou aos exercícios de espécie alguma, sequer a um demi-pliê. Nasceu feita. Com uma variz na perna esquerda, que perfeito ninguém é nesse mundo (aliás, isso me lembra um conto que publiquei pela primeira vez no Epinion).
Talvez eu tenha algum mérito também, que suei o collant em anos de aulinhas exaustivas de ballet, na infância. Até hoje, como boa cabrita, ainda gosto de desafiar a gravidade e exijo um bocado do esqueleto: só me desloco aos pulos, prefiro escadas a elevadores e ando a pé pra cima e pra baixo pelas ladeiras do Horto. Não tenho mais minhas sapatilhas nem meu tutu mas a panturrilha continua firme e forte. Assim como a variz.
De tudo o que muda na vida, algo sempre permanece. Um patrimônio intrínseco, inalienável, somatório de conquistas pessoais e relíquias de família. Um tanto de boa forma, de saúde adquirida a duras penas mas, no fundo, dom ancestral. Também alguma inescapável mazela hereditária.
Por fim, o que resta mesmo é a força que faz subir. E uma veia azul exposta, variz solitária na batata da perna esquerda.
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A variz
Apr 5th, 2005 by Christiana
Que variz que nada, é sangue azul, mesmo. E pelo que a gente percebe das duas, foi herdado da mãe, junto com o talento e a beleza. :o*
Agora que você parou de falar mal da sua aparência, tem que mudar essa frase “também me acho bonitinha”.
Como diz meu namorado, Bonitinha é feia arrumada..
E você é linda e inteligente gostou? Bjs Bjs
Gostei, Angela, adorei! Meu avô dizia que “elogio em boca própria é vitupério”. Mas vindo de você e da Cynthia, é um bálsamo para minha auto-estima! Sobretudo porque vocês são, ambas, bem dotadíssimas de forma e conteúdo. E ainda são muito bem amadas por homens tudo-de-bom. (cada uma por um, do tipo único, pessoal e intransferível, que fique claro…)
Beijos, belíssimas!
;o*
Bonitinha sou eu, minha filha! Você é tudo de bom, por dentro e por fora! Beijãozão!
Tita, minha linda, vou ficar metida com tanto mimo…
Valeu, amiga!
Beijos.
Adorei isso Christiana!
Essa variz que nos acompanha desde a infância (e que pode ter outras formas, as vezes é um sinal, uma curvinha diferente, um ossinho mais visível..) é o que que nos faz únicos também fisicamente. Todo mundo tem essas particularidaes e a imposição gestáltica faz com que sublimemos ou escondamos as diferenças. Mas, adorei a tua ‘variz’ e já de antemão afirmo: tuas pernas são lindas mesmo!
Bjos.
Posso participar do colóquio?
Sangue azul foi uma ótima sacada.
Ei Porra! – é assim mesmo que te chamam? – é claro que pode participar. Puxa uma cadeira e senta aí. Mas olha o palavreado, que aqui é uma casa de família… como diz uma tia minha: “nós somos lady pra caralho!”
Dulcinha, eu também aposto que você é linda, seja qual for o detalhe que marca a sua diferença. Mesmo sem nos conhecermos pessoalmente, já percebi o quanto você é especial.
Beijos.
Aqui do Km 51, aplaudo você pelas escadas, pelo balé, pela genética e, mais que tudo, por essa graça que você transmite em cada post. Você consegue colocar até num assunto desses uma intimidade generosa.
A descendente de italianos aqui, via, quando criança, as veias saltadas nos braços, pés e mãos. Mais tarde, descobri que só tinham utilidade no laboratório, ou para servir de cobaia para alguma enfermeira estagiária-vampiresca.
Nem uma gota de sangue azul, apesar de ser parente de Don Juan. Aprontando tudo o que você possa imaginar que apronta uma criança criada em cidade minúscula e à vontade, eu vivia ralada, cortada, espetada e por aí afora. O sangue vermelho, claro!
Continue usando as pernocas e que elas te levem sempre pelos mais lindos caminhos.
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O texto é simplesmente uma delicia e tenho que aqui tirar o chapeu (bela expressao essa) para a capacidade feminina de a partir de um detalhe construir um mundo de sensaçoes. Mas uma coisa me martela. Eu trabalho com o visual e a estetica porque sou mais visual que texto e preciso conhecer esta variz, pelo amor de deus.
Clarice, adorei suas lembranças da infância, ô tempo bom. Agradeço seus votos e, se você estiver na estrada, melhor ainda! Aliás, esse seu km 51 me deu uma boa idéia! ;o)
Flavio, muito agradecida. Sinto não poder satisfazer sua curiosidade. Minha variz não possui registro documental porque, como já expliquei num texto, eu sofro de fotofobia. Somente na versão ao-vivo-e-a-cores.
Beijos