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Eu costumo manter certa distância dos movimentos feministas (embora reconheça suas importantíssimas conquistas), porque eles ainda estão longe de defender o que eu entendo por FEMININO. Como não estou a fim de ir à reunião pra ficar polemizando com as colegas (que afinal de contas são bem-intencionadas) divido aqui com vocês minhas reflexões sobre as chamadas questões de gênero.
Pra começar, devo explicar que, quando digo feminino, não quero dizer, necessariamente, mulher no sentido biológico, embora a biologia tenha sua parte na história. Estou me referindo às FUNÇÕES FEMININAS num plano simbólico e que, a rigor, poderiam ser exercidas por seres de ambos os sexos.
Pra exemplificar, vou recorrer à filosofia chinesa e aos conceitos de YIN (feminino) e YANG (masculino).
Dentro dessa perspectiva, reconhecemos dois grandes princípios fundamentais que, combinados de diferentes maneiras e em variadas proporções, estão na base de todos os fenômenos no mundo ou, para usar a expressão chinesa, são o pai e a mãe das dez mil coisas.
O primeiro é o princípio CRIATIVO, yang, masculino. Representa o céu, a atividade, a luz, o tempo,…
O segundo é o princípio RECEPTIVO, yin, feminino. Representa a terra, a receptividade, a matéria, o espaço,…
Sejamos homens ou mulheres, somos sempre uma combinação particular dos 2 princípios. O TAO, ou caminho, está no equilíbrio entre estes opostos.
No I Ching, o mais antigo livro de que se tem notícia, as diferentes interações entre yin-yang são representadas por 64 mutações.
A mais bela e auspiciosa das mutações chama-se PAZ, e representa o céu abaixo, em posição de reverência, e a terra acima, exaltada. Como é próprio à natureza doce do receptivo (terra) mover-se amorosamente em direção ao que está abaixo, e à natureza luminosa do criativo (céu) mover-se entusiasticamente para o alto, eles dirigem-se um ao outro e encontram-se, num “casamento” harmonioso e fértil.
Quando, ao contrário, o céu encontra-se exaltado e a terra rebaixada, seus movimentos afastam-se mutuamente e temos a triste época da ESTAGNAÇÃO, do desencontro, da esterilidade e da morte. Que por sorte também não é eterna já que, ensina o I Ching, todo movimento, ao chegar à culminância, transforma-se em seu inverso.
Desse modo, a estagnação carrega o germe do florescimento de uma nova paz.
O que me faz pensar que, se por um lado, estamos em um túnel escuro, por outro, a luz deve estar próxima.
Já a paz, por ser dinâmica (e isso é uma característica especial dela, com relação a outras mutações menos felizes), pode manter-se por longos períodos, se souber administrar seus dons e renovar seus recursos.
E o que isso tem a ver com feminismo?
Bem, eu tenho visto que muitas mulheres são valorizadas hoje em dia por suas qualidades Yang (tem mulher que é macho paca, no bom sentido: deixa os homens no chinelo), mas o que é da ordem do FEMININO, na maioria das vezes, tem conotação inferior, dominada, vergonhosa, desprezível ou, na melhor das hipóteses, assustadora e demoníaca.
Dentre os modos de trabalho, temos em primeiro lugar as atividades Yang, externas, tradicionalmente relacionadas à caça (lucro), à construção, à guerra, e todas as outras que exigem força ou um dispêndio concentrado de energia, e produzem grandes efeitos visíveis -portanto, são primordialmente masculinas.
Estes trabalhos são infinitamente mais valorizados – e, por conseguinte, melhor remunerados – que as tarefas Yin de manutenção doméstica, limpeza, agricultura, cuidado e educação. Estes afazeres “femininos”, de efeitos muitas vezes suaves e cumulativos, quase invisíveis no dia-a-dia (mas não menos fundamentais), são relegados preferencialmente às mulheres e/ou às classes exploradas, e tão mais acentuada é essa tendência quão mais inglório for o trabalho.
Assim, existe uma hierarquia também dentro do âmbito do feminino, e teremos mais homens como professores de nível superior ou enfermeiros qualificados que como donos-de-casa.
Se tem alguma coisa em que o feminino é um pouco mais reconhecido socialmente, é no que se refere a seu valor como objeto, como corpo (o feminino é a terra, o palpável, enquanto o masculino-céu é abstrato, o que não se pode possuir). Então o feminino adquire poder através da sedução: a beleza e a arte são domínios do feminino, porque estão submetidos à forma, bem como as relações humanas, pois têm por base o afeto. São do feminino as variadas formas de influência subliminar, e seus meios de manipulação preferenciais, no sentido negativo, são a mentira e a perfídia. Mas, num eventual confronto, esses recursos nada valem diante das riquezas e das armas, domínios do masculino. O poder yang sempre encerra a questão pela violência. O feminino, em seu aspecto mais destrutivo, mata pelo silêncio e pelo abandono.
É nesse ponto que céu e terra se afastam, se isolam em seus extremos.
Quando o feminino está excluído ou rebaixado pelo masculino, temos a época da estagnação, “desfavorável para o ser superior” e penosa para todos nós.
Um claro exemplo de exclusão do feminino: Maternidade não é profissão regulamentada por lei. Não sustenta, não tem férias, licença-prêmio nem aposentadoria. Uma enorme injustiça. Aliás, uma pena. Vivemos num mundo de mães constrangidas, babás exploradas (qual é a palavra masculina para babá? Não existe, por que será?) e creches lotadas de crianças tristinhas, permanentemente doentes. Mal necessário, pensamos. Será mesmo?
Será que ficamos mais fortes, como sociedade, quando excluímos ou rebaixamos o feminino? Ficamos mais ricos com isso? Será que a mulher se fortalece ao se afastar precocemente dos filhos para “ir à caça”? Devemos ter vergonha de ficar em casa, com as crianças? Devemos deixar de amamentar nossos filhos aos 3 meses, pra não perder o lugar no mercado? Porque não podemos levar os filhos para o trabalho? Será que temos que ESCOLHER entre ser realizadas OU ser mães? Devíamos cortar um peito fora e ir à guerra, como amazonas pós-modernas? Será que ser macho paca é o que todas queremos? Quem vai cuidar de nossos pais, quando estiverem doentes? Quem vai cuidar de nossos filhos? Quem vai cozinhar pra nós? Gente explorada e triste? Máquinas, talvez?
Eu não quero lutar APENAS por salários iguais para as mulheres, quero discutir uma valorização digna para as funções e os saberes femininos. Queria ver o feminino honrado e exaltado, para que pudéssemos viver saudáveis, bem amados e alimentados. Belos também, é claro, e artistas, por que não? Independente de sermos homens ou mulheres.
Eu devo ser uma ser-humana totalmente ultrapassada, com essa filosofia do tempo do onça…
Por isso que eu não participo de reuniões feministas.
PAZ a todos.

19 Responses to “A Paz (reflexão sobre os movimentos feministas)”

  1. Flavio Prada says:

    Quatro coisas me vieram à mente lendo o teu texto. Primeiro è que muitas das coisas que voce descreve do I Ching, tem correspondencia em teorias da fisica e da matematica e isso é muito interessante. Segundo: os homens em geral tem inveja dessa fisicidade das mulheres e muitas vezes iso se reverte em violencia contra as mesmas. Os travestis sao em numero muito maior que lesbicas que se vestem de macho por essa razão. Inveja. Terceiro: Nunca deixe de ser mulher, feminina, doce, meiga. Acredito que a esperança de ter um mundo um pouco mais equilibrado dependa dessa força calma da mulher. Quarto: ja não me lembro mais o quarto item. Quinto: eu não sei contar direito.

  2. Lenora says:

    Que coisa mais linda Chris!!!!
    Fiquei emocionada com a leitura.
    Acho entretanto que embora não admitido socialmente, o poder feminino leva vantagem pelo conjunto de caracteristicas que acumula. Bjs.

  3. Lenora says:

    Que coisa mais linda Chris!!!!
    Fiquei emocionada com a leitura.
    Acho entretanto que embora não admitido socialmente, o poder feminino leva vantagem pelo conjunto de caracteristicas que acumula. Bjs.

  4. Clarice says:

    Mais que um ponto de vista, você foi um farol.
    Como diz a AMORC: Assim como é em cima é embaixo.
    Comungo dessas idéias e conceitos com você. E não acho nem um tiquinho, que seja retrógrado pensar assim.
    Mesmo que nos reportemos às sociedades matriarcais(que, salvo engano, funcionavam muito bem, até fora da guerra, sim senhor!) ou ao despotismo e crueldade sempre presentes em qualquer regime masculino arcaico(e moderno também, sem dúvida).
    Ao contrário, isso é ser vanguardista.
    Creio que, como em qualquer disputa pelo poder -que não deixa de ser isto mesmo, e por trás dele a tal vaidade(não é Maria Helena?)-, os que sofrem o medo de perder a cadeira submetem os que os ameaçam.
    Sim, fazemos três turnos e ainda sobrevivemos a eles.
    Nisto tudo o equilíbrio se impõe como necessidade, seja na criação dos filhos, no amparo ao bem comum, na manutenção de um relacionamento, na divisão do sustento(eles pela supremacia da força muscular e outras atributos diferenciais cada vez mais endossados pela ciência); nós pela fortaleza e doçura e todos os outros atributos descobertos e outros tantos a descobrir.
    Sim, babá é feminino, mas Gaia também.
    Nunca aceitei ser vista como inferior a ninguém, e até acho que sempre gostei de cada um pelas diferenças, mas que briga é essa para ser igual ao homem, se somos tão especiais? A nós o que é de direito e eles que nos invejem, não é?
    Aprendi um bocado com teu texto e espero ser perdoada pela extensão do que deveria ser apenas mais um elogio.
    Beijão.

  5. Adorei, Christiana. Entendo muitíssimo tudo que você escreveu.
    Eu me considero uma feminista e não abro mão do título, justamente porque quero acreditar que é possível ser feminista, saindo do estereótipo criado e do que realmente rola, muitas vezes no movimento.
    Eu comecei a participar do movimento feminista há 15 anos. Tinha 25 e naquele época ser gostosa e feminista era inconcebível. Mas eu sempre fui do tipo metida a gostosinha e ia de mini-saia curtíssima pra reunião, frequentava a academia pra manter tudo em cima, sempre amei um cabelão e andava pra lá de feminina. Ainda por cima era casada, apaixonada pelo marido e louca pela filha.
    Ao mesmo tempo, era uma radical nas lutas pelos direitos das mulheres, participava de tudo e não ficava calada, não. Apesar de detestar as reuniões intermináveis e puramente teóricas.
    Acho que as coisas estão melhorando, tem muita feminista bacana, que lida bem com seu lado feminino. É que é preciso endurecer às vezes, é verdade, elas acabam pagando pela necessidade de ter alguém que carregue a bandeira e, apesar de muita gente achar que a coisa tá fácil, ainda não tá, não, e tem muita coisa pra se conseguir ainda.
    Enfim, o que quero dizer é que as duas coisas não são antagônicas. Dia desses, conheci uma blogueira que comentou que eu sou super feminina e é bem assim que me vejo. Adoro sainhas, só não são mais curtinhas e não sou mais tão “girliesh” porque já tenho quarentinha, né? não dá
    Mas acho que dá pra gente ser feminina, parir, amamentar, morrer de amor pelos homens e também ser feminista no sentido de lutar, cada uma a seu modo, para que a gente possa também ter o outro lado, da caça, da luta pela sobrevivência, garantida…
    O problema é que o movimento ficou com uma imagem destorcida… precisam de uma boa campanha pra melhorar sua imagem…
    É isso aí e desculpa a invasão no blog… é que eu me apaixono por esse assunto!
    Aliás, por coincidência, hoje escrevi sobre o direito ao orgasmo, bandeira que as mulheres ainda deviam estar levantando hehehehe…
    Beijos!

  6. christiana says:

    Denise, adorei seu depoimento, sobretudo porque um comentário seu recente na nossa lista do Yahoo (sobre sua desistência de tentar incluir as donas-de-casa nas reuniões feministas das quais você participava) foi uma das inspirações para este post. Ainda bem que existem feministas como você!
    Clarice, que bom que você não me acha retrógrada, eu tento mesmo não ser, mas também não consigo me adaptar à camisa-de-força do politicamente correto. Não dá pra comprar as causas num grande pacote, sem passar as idéias por nosso próprio senso crítico. É um grande privilégio compartilhar minhas reflexões com pessoas interessadas e interessantes como você. E aqui você pode falar à vontade, é sempre um prazer escutá-la.
    Lenora, meu anjo, pensei muito em você enquanto escrevia esse texto, em nossos longos e interessantes papos sobre o feminino. Você, que escolheu a mulher como melhor expressão do seu ser, sabe bem o que eu quero dizer sobre integração entre yin e yang. Que você viva o casamento alquímico de seus dois princípios sempre com muita beleza, amor e PAZ!
    Flavio, essas correlações entre a filosofia chinesa e a física são de fato muito profundas, e já foram exploradas e desenvolvidas por gente como Fritjof Capra (O Tao da Física, O Ponto de Mutação e outros). Se quiser, podemos conversar mais sobre isso, este é um assunto que me fascina. E, hey, eu também não sou boa em contas, mas sei que suas visitas aqui são sempre boas além da conta!
    Beijos a todos.

  7. Flavio Prada says:

    Christiana, claro que quero conversar mais sobre o assunto. De Fritjof Capra sei pouco, nao li seus livros, so resenhas e comentários. Sei do que se trata mas na verdade as correlaçoes me vieram à mente a partir do que conheço da fisica que tambem é pouco. Na verdade sei pouco sobre tudo. Li muito e depois cansei. Achei que refletir me dava mais satisfaçoes intimas. Na verdade estou tentando racionalizar minha preguiça cronica e eu devia me envergonhar por isso e ao inves não, não me envergonho, o que é uma vergonha. Bem, como sempre, inicio um discurso em modo correto e depois as coisas se precipitam. Tudo isso porem pra te dizer que sim, amaria aprofundar esses assuntos que me enchem de curiosidade. Como fazemos?

  8. Clarice says:

    Ainda preciso dizer que, colhidas e lidas tantas idéias boas sobre o assunto, eu, que sempre fui revolucionária e meia, ainda me assusto com a idéia de que o que se veste define a feminilidade de uma pessoa.
    Na minha modesta mas teimosa concepção, o “feminino” tem pouco a ver com “lutas” feministas por direitos de reconhecimento profissional, ou civil, pessoal, ou seja qual for a bandeira.
    Um assunto polêmico e tão bom assim é prá muitas madrugadas, não é?
    Beijo. =~.~=

  9. palomadawn says:

    E aí? quem ganhou o jogo?

  10. Ricardo says:

    Está escrito no texto: “[…] ensina o I Ching, todo movimento, ao chegar à culminância, transforma-se em seu inverso.”
    Posso, portanto, concluir que ao atingir o máximo da masculinidade, corro sério risco de tornar-me mulher – ou próximo ao isto.
    Cruuuzesssss!
    ***
    Concordo quanto aos direitos das mulheres, principalmente no que se refere à maternidade. Aliás, sempre ouvi dizer que a maternidade é uma das (senão a) maiores realizações femininas.
    Abraço

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