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“Gostar deve ser a melhor maneira de ter. Ter deve ser a pior maneira de gostar.”
(O Conto da Ilha Desconhecida – José Saramago)
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Esta semana deve ser homologado meu divórcio, tornando-me uma mulher oficialmente livre (e uma católica excomungada).
O novo estado civil levou-me a uma reflexão sobre o pacto insalubre da fidelidade: da exclusividade sobre o desejo do outro e do suposto controle voluntário sobre nosso próprio desejo em favor de outrem.
Antes que alguém pense que estou advogando em causa própria, devo esclarecer que sempre fui estritamente fiel. Por princípio, por higiene, por falta de iniciativa, sei lá, fato é que sou assim, naturalmente inclinada à fidelidade.
No entanto, não acredito mais no COMPROMISSO monogâmico. Embora tenha jurado em voz alta diante de uma igreja (uma capelinha, vá lá) lotada que seria fiel até a morte. Isso confesso que não fui, já que, separada, ainda estou viva. Mas avisei ao principal implicado (no caso, meu marido) com bastante tempo de antecedência, de modo que ele pudesse ser perjuro bem antes de mim, como convém à dignidade masculina. E assim quebramos, de comum acordo, o insano contrato que firmamos no calor da empolgação casamenteira.
Acho que se tivéssemos jurado ser AMIGOS para sempre, nosso trato teria sido mais útil em vários momentos delicados em que chegamos a perder de vista este aspecto. Ser amigo significa prezar o bem-estar do outro incondicionalmente, acima de quaisquer motivações egoístas.
Separar os corpos mantendo a amizade, eis aí uma arte que deveria ser cultivada pela sociedade, muito mais que o apego possessivo ao ser do outro como um bem agregado. Os termos que se usa para falar de relacionamentos não distinguem pessoas de coisas: ganhou fulano, perdeu sicrano, pegou, comeu, largou.
A jura de fidelidade é a garantia do amor capitalista, a apólice de seguro. Emitimos e recebemos promissórias como se fosse possível dar lastro substancial ao que é essência. Quando nos sentimos ameaçados ou traídos, saímos logo cobrando, protestando nossos títulos. Puro dispêndio de energia, já que ninguém pode restituir por direito o que nos foi dado por graça.
É, portanto, por fé no amor que não quero mais ter, nas empresas amorosas, o departamento de cobrança. Anistia para o amor: ampla, geral e irrestrita.
P.S. – Hoje é aniversário do meu ex-marido, o MELHOR pai do mundo, motivo mais do que suficiente para fazê-lo amado por todo o sempre. Não fossem tantos outros bons motivos, como se, aliás, precisássemos de razões para amar.

11 Responses to “Liberdade para as Borboletas”

  1. Clarice says:

    Sabe quando a chuva chega de repente e apanha você(ou você apanha a chuva)e é tanta água que você só pensa em chegar a um abrigo? Li esse cantinho de seu coração e vou fazer o contrário: vou levantar daqui e caminhar na areia, debaixo do sol. Pensar, tentar absorver essa sabedoria exposta com tanta sensibilidade. Depois eu volto e penso se me atrevo a comentar.
    Que mulher especial você é!
    ;}

  2. Clarice says:

    “O seu amor/ame-o e deixe-o ser o que ele é/ (…) ir aonde quiser…”
    Continue sendo feliz!
    Tem um poema oriental, que está insistindo aqui na minha cabeça: “A borboleta pousou no sino”. Só e tudo isso.
    Bons vôos e bons pousos! ~/~

  3. Antonio Joaquim says:

    Sobre amor e amizade entre cativos, Camões pergunta:
    Amor é…
    Querer estar preso por vontade;
    e servir a quem vence, o vencedor;
    é ter com quem nos mata, lealdade.
    Mas como causar pode seu favor
    nos corações humanos amizade,
    se tão contrário a si é o mesmo Amor?

  4. Ricardo says:

    E o amor não exige fé pública. Por isso dispensa cartório, testemunhas e afins.
    ***
    Basta-se a si mesmo. Sua única exigência, de fato, é um coração. Pois para ser amor, sequer precisa ser correspondido.
    Abraço

  5. claudio says:

    Fiquei pensando onde tinha visto esse nome “Liberdade para as Borboletas” e me lembrei do filme, um daqueles filmes que a gente via na sessão da tarde quando era criança, no final dos anos 70. É com a Goldie Hawn bem novinha, antes do botox e do silicone na boca, e conta a estória de um amor entre uma aspirante a atriz e um jovem cego, passado em São Francisco, em 1972 (não gente, a minha memória não é tão maravilhosa assim, eu olhei no google a ficha técnica)e tem aquele visual típico da época. Como não podia deixar de ser, é BEM triste, daqueles de fazer chorar ao ponto de ter que assoar o nariz, apesar de se intitular uma comédia romântica. Eles não ficam juntos no final, é claro, mas é um filme que faz voce querer se apaixonar, principalmente se voce é um adolescente como eu era na época. Isso me fez pensar também em como o mundo mudou nesses últimos 30 anos, talvez mais do que em qualquer outro tempo da história humana. Para começar, naquela época nem existia o divórcio no Brasil, portanto, sister, se voce quisesse se separar do seu marido, voce, além de excomungada, seria uma “desquitada”(lembra desse termo?)e nunca mais poderia se casar de novo. As borboletas são bem mais livres hoje, e tem mais autonomia para escolher em que flor querem pousar. Mas eu não posso deixar de me perguntar, com tudo isso, será que nós somos mais felizes?
    Bjs, Claudio.

  6. Leila says:

    Que post maravilhoso, Christiana. Mas eu ainda sou muito confusa nesse aspecto. Entendo que é quase impossível amar alguém exclusivamente (tanta gente interessante por aí, né?) até que a morte nos separe, mas ao mesmo tempo lidar com a infidelidade é tão doloroso, que a monogamia se torna mais confortável.
    Beijos,

  7. Nando says:

    oi charmosa. É, nossas vidas são uma coleção de datas. E me sinto agradecido por participar de algumas das suas datas. Mesmo sendo um tema assim não tão festivalesco. Mas são iniciações importantes para cada um de nós e só mesmo nós tiramos o proveito devido. Mais do que costumes que caem, são crenças que são aniquiladas. Mas algumas verdades aindam respiram, a espera de uma exploração mais atenta.

  8. Lucia Malla says:

    Acima de tudo, ser amigo. Antes mesmo de amar. Ou junto, tanto faz.

  9. Tita says:

    Deveria ser até que a morte do amor, da paixão, do calor nos separe… até que o vento da rotina teime em apagar a velha chama…
    O amor sobrevive mais tempo se não tivermos que dividir o mesmo banheiro e, por que não, a mesma cama todos os dias. O amor é estranho, mas ainda é o que nos salva. Um novo amor apaga a lembrança do que já gastou. Pensamento árido? Não… apenas realista.

  10. Cam Seslaf says:

    Pelo menos você conservou a fé. Perdê-la, e viver como se não, é que dá um trabalho danado…

  11. Gin says:

    Achei incrível seu texto; mais inacreditável ainda pq sempre pensei como descrito nesse trecho: “Acho que se tivéssemos jurado ser AMIGOS para sempre…” – mas nunca fui muito bem compreendida. Estranhamente, as pessoas não entendem muito bem a profundidade de ser amigo(a) num relacionamento, como se fosse uma coisa assexuada ou fora do eixo. Sei lá! Deve ser difícil quebrar algumas regras ainda que se acredite que o melhor em qq relação é a confiança.
    Vá lá! Vc é mestra nas letras e a mensagem é bárbara. Strawberry lovers forever :c))))

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