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O dia dos sem-namorado cai dos sonhos com um suspiro comprido. Sem beijo de bom-dia nem nada de bom pra fazer na cama depois de acordar.
Começa com jornal e coisas importantes acontecendo no mundo, um café preto e uma esperança quase afogada no fundinho da xícara: será que é hoje? Mas isso ninguém vê, nem a lágrima escapulida que a mão rápida dispersa. A cena seguinte, exaustivamente ensaiada, já vem automática: olhar pra cima e respirar fundo, vestir o sorriso e ir à luta, que com cara de palhaço é que não se arruma ninguém mesmo.
O dia dos sem-namorado se demora em papéis e desktops e liga a tv na hora do almoço, pra distrair da falta de companhia. Evita as vitrines e os out-doors, repletos de corações e sorrisos felizes de quem nasceu um-para-o-outro. Passa direto pelo cinema com sua fila de pombinhos e dispensa, constrangido, a promoção bem-me-quer da operadora de celular.
O dia dos sem-namorado sai cedo e volta tarde, liga pros amigos, faz ginástica. Come fora, dá-se um livro – de pena, no fundo. É triste não ter a quem dar flores.
O dia dos sem-namorado, se o quiser florido, compre as próprias; se o quer doce, encha a boca de bombons. Se romântico, abra um vinho e pegue um filminho piegas na locadora, daqueles que um namorado se recusaria a assistir. A maior vantagem de estar só é não ter que chegar a um consenso.
O dia dos sem-namorado é um dia como outro qualquer, só que mais longo. Pela simples razão de que ele deveria ser especial. Como, aliás, todos os dias. Pela falta que faz alguém pra surpreender minhas cores. A noite cresce e eu vou ficando esmaecida…
O dia dos sem-namorado termina como começou, num sonho – terra sem-fim da ilusão solitária. Que não posso reter, como água entre os dedos, mas que é tão minha.
E vai cair num suspiro comprido lá do outro lado, no próximo dia. Um dia normal, ufa, onde eu não seja um estranho ser que anda partido e sobrevive por teimosia, feito rabo de lagartixa.
(Publicado pela primeira vez no Epinion, em 10/06/2004)

7 Responses to “O dia dos sem-namorado”

  1. Cynthia says:

    Christiana, minha mana, você sozinha é muito mais que montes de casais por aí. Mas nem por isso precisa continuar assim, claro. O mágico-cientista-trapezista-sonhador-cético-crédulo do seu número tá solto pelo mundo, batendo cabeça, e qualquer dia desses aparece no seu caminho. Enquanto isso, vai passear no Leblon que o Chico continua solteiro… ;o)

  2. Flavio Prada says:

    Que belas palavras. Em tua homenagem, segunda-feira eu posto uma poesia.

  3. Clarice says:

    Ano passado não li, mas que bom que é isso de compartilhar esse suspiro compriiiiido…
    Fica muito bem na foto esse dia igual, com essas tintas e humor que você usou.
    Nessas ocasiões eu(nada de rabugice, só consolo ao amor-próprio), se estou sem par, como agora, costumo pesar os dois lados da questão: veizenquano o das vantagens leva chumbo, mas tem vez que estar sozinha – não solitária – dá um alívio que te nem conto! Ou pelo menos sem aquele mala que não veio para o bem. ;{
    Filosofia barata: como é que com tantos bilhões de pessoas a gente sempre fica com esperança de estar ao lado da pessoa certa?
    Melhor mesmo é ficar junto enquanto há razão para isso, não é, poetisa? E viva o amor! E viva os chocolates que vou me dar!
    Beijão e deixe a janela aberta, assim o galante não vai precisar jogar pedrinhas, quando chegar.

  4. Ângela says:

    Ano passado eu Li!!!!
    E não acredito que uma menina tão linda e inteligente vai passar mais um ano sem namorado…
    Quem sabe para 2006 não apareça um amor de verdade! Beijos e bom final de semana!

  5. Raquel says:

    Neste exato momento me sinto psicografada. Maravilhosamente psicografada, a propósito.

  6. christiana says:

    Cynthia, eu adorei a descrição do rapaz! Me apresenta esse one-man-band! Quanto ao passeio no Leblon, boa idéia, não custa nada tentar a sorte grande…
    Flavio, adorei a homenagem. Mas porque só segunda? Aí o domingão já terá passado em brancas nuvens, sem um versinho para alegrar meu coração!
    ;o(
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    Clarice, vou te dizer com sinceridade: a solidão não me incomoda, eu me divirto mil vezes mais sozinha que mal acompanhada. Mas o amor é tão mais gostoso, né?(suspiro)
    Hahaha, Angela, EU também não acredito! Mas não desisto não, meu verdadeiro nome é Pollyanna e eu vou morrer acreditando em amor verdadeiro.
    Raquel, esta médium está às ordens.
    Beijos a todos.

  7. palomadawn says:

    Não acredito ainda!!! você é bárbara…

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