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Poucas experiências se comparam ao prazer do bom teatro. Em compensação, nenhuma tortura cultural se iguala ao constrangimento de assistir a uma peça ruim.
Eu pensava que já tinha visto o pior em termos cênicos mas o mau gosto consegue encontrar novas roupagens sem, contudo, inovar.
Eu não vou fazer uma crítica do espetáculo a que fui assistir na sexta-feira, até porque não sei a ficha técnica e nem nada. Sei apenas que se tratava de uma montagem de um aluno-diretor da Faculdade de Artes Cênicas da UNI-Rio. Pra vocês verem que eu sou uma pessoa moderna, aberta ao novo e que acredita nos potenciais emergentes.


Fui, como sempre, na mais sincera disposição de gostar. Minha amiga, que faz pesquisa de elenco para a Globo, estava indo a trabalho e queria companhia. A Globo pagou o táxi, a entrada era gratuita, eu tinha pouco a perder. Além disso, como vocês sabem, Dioniso é meu santo de devoção.
Eu achei que a peça, “O mineiro só é solidário no câncer”, fosse a encenação do “Bonitinha mas ordinária ou Otto Lara Resende”, um Nelson Rodrigues básico. Lêdo engano. Tratava-se de uma colagem (argh!), onde reconheci, além do “Bonitinha”, partes do “Beijo no asfalto”, textos de Hélio Pellegrino e sabe Deus mais o quê. Não dava pra entender bem porque os atores gritavam muito, apesar do reduzido do recinto, e eu, que tenho os tímpanos sensíveis, não conseguia mais prestar atenção porque comecei a planejar estratégias de fuga, porém logo percebi que não havia a mínima chance de escapar discretamente dali. O diretor, no mais pleno exercício de sua genialidade, criou “marcações” estranhíssimas, como a de, num dado momento, todos falarem sem expressividade alguma (mas SEMPRE aos berros), nem vocal nem facial, o que os fazia parecerem aqueles vendedores de balas em ônibus que tanto nos incomodam. Será que era essa a intenção brilhante do diretor, denunciar a miséria social do baleiro de ônibus através dos personagens pequeno-burgueses de Nelson? Ai, como são profundos os novíssimos diretores cariocas.
O que mais me preocupava era um grupo de velhinhos sentados na primeira fileira, provavelmente avós de alguém do elenco. Temia por seus tímpanos senis submetidos a tamanho estupro. Que, aliás, não se resumia aos máximos decibéis que um aparelho fonador humano é capaz de produzir, também havia som na caixa: um funk ao fundo que berrava, apropriadamente, “estrupa, estrupa” (sic). Acima de tudo, me angustiava imaginar como iriam olhar para seu neto (ou neta) dali por diante, depois de vê-lo(a) passar por situação tão humilhante, em público. Além dos gritos que deixaram metade do elenco rouco nos primeiros 10 minutos, tinha incômodos extras como ver a atriz escovar os dentes em cena, bochechar e engolir (ugh!). Para não fugir ao clichê dos diretores vanguardistas, havia muitos tremores, sacolejos e estertores vários, uma coisa assim muito “corpo”, saca? Não esqueçamos as indispensáveis repetições, repetições, repetições. E uma simulação absolutamente gratuita de sexo oral , e eu não parava de pensar nos velhinhos da primeira fila. Nunca duas horas se arrastaram por tantos séculos. Eu já estava louca pra ir fumar lá fora, e olha que eu não fumo.
Resumo da ópera: esse diretor só pode ser mineiro. Deve ter sido super solidário com os atores no camarim logo depois do espetáculo, quando eles foram receber os pêsames, digo, os cumprimentos de seus avós.

8 Responses to “O mineiro s?solid?o no c?er”

  1. Idelber says:

    Chris, com a sua licença: HAHAHAHAHAHHA!!!! “Louca para ir fumar e olha que eu não fumo” é demais!
    Menina, quero morrer seu amigo. Que ferina!
    Agora, protesto contra a suposição de que o diretor era mineiro. Com certeza era algum goiano querendo arruinar nossa reputação. Beijos!

  2. christiana says:

    Hahahahaha, Idelber, vou defender meus amigos goianos, solidaríssimos e que nem gostam de Nelson (o Rodrigues, preferem o Almirante, né, Cynthia?). Inclua-os fora dessa!
    Quanto a ser meu amigo, sem problemas, mas prefiro vivo… ;o)
    Ah, e não se preocupe com minha língua ferina. Quando eu sou boa, eu sou ótima, mas quando sou má… sou muito melhor!
    Beijos.

  3. palomadawn says:

    Eu não nasci em Campestre-MG. É intriga da oposição, uai!
    Agora, lembrou-se o Holden Caufield, do Apanhador em Campo de Centeio, (um dos raros livros que consegui ler e que ficou alguma coisa na memória) quando ele disse que o bom escritor era aquele que a gente fica com vontade de telefonar pra ele ao acabar de ler. Tens telefone, gatinha? Eim? eim?

  4. Clarice says:

    Nada contra mineiros; eles nem aparecem por estas praias, mas essa situação é de dar dó.
    Mais ou menos como estar em uma conversa aborrecidíssima, tipo com uma pessoa que pensa que sabe tudo e só diz abobrinha aos gritos, você louca, louca para ir embora e não tendo como.
    Se servir de concolo, você garantiu uma beirada de assento no céu, na 10ª fila.
    Essa tua amiga deve ter sofrido em dobro. Por ter ido a essa tortura e por ter levado você.
    Não deu prá inventar nem uma dor de barriga?
    Na próxima(Zeus te livre!) tenha um acesso de tosse daqueles.
    Beijão. ;}

  5. Clarice says:

    Mãe do céu! Concolo? Consolo, per favore!
    E olha que eu revisei. Culpa de minha oftalmologista que falou prá eu não aumentar a lente de minhas lupas. ;}

  6. christiana says:

    Clarice, eu também não tenho nada contra mineiros não, muito pelo contrário, adoro! Não fui eu quem cunhou a frase, é tudo culpa do Otto. :o)) Em tempo, a amiga é uma fofa, já me acompanhou em várias roubadas pela vida afora e, no final, acabamos rindo muito de tudo. Ela ainda cometeu a gentileza extrema de compartilhar comigos os últimos de uns profiteroles artesanais DIVINOS que ganhara. O que prova que as cariocas (e aposto que as catarinenses também) são solidárias no que a vida tem de melhor!
    Paloma é de Minas? Tá vendo, mais uma mineira maneira para a coleção. Querida, nosso caso não se resolve com um telefonema não, filhinha, tira um dia (no mínimo) pra passar aqui em casa, em sua próxima vinda ao Rio!
    Beijos.

  7. Inagaki says:

    Putz, peças encenadas por grupos de faculdade são um porre. Já cometi o despautério de ficar enrolado com uma mocinha que era atriz dum desses grupos, e me arrastava para as apresentações no Crusp. Genet, Ionesco e Garcia Lorca devem ter se levantado do túmulo mais vezes do que os figurantes do clip de “Thriller”…

  8. christiana says:

    Caramba, Inagaki, atriz de grupo de teatro experimental? Socorro!! Sabe que eu também já estive enrolada com uma mocinha assim? Era eu mesma!… Você não sabe a que sub-mundos dramáticos essa moça já me levou… ah, mas vi muita coisa linda, também. No final, tal qual Piaf, je ne regrette rien… Tudo se aproveita, nem que seja pra falar mal num post :o)
    Beijos.

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