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family.jpgQuando Pero Vaz de Caminha informou a D. Manoel que “a terra é de tal modo graciosa que, em se plantando, tudo nela dá”, aproveitou o ensejo e pediu ao Venturoso um emprego para o genro.
Plantou-se e deu, dizem as más línguas, o nepotismo no lado de cá. Não é verdade, sempre floresceu em todas as latitudes.
Nosso rigor republicano, gerado pelos enciclopedistas, exige um Robespierre de cada cidadão que se dá bem. Tolice. As capitanias sempre foram hereditárias e as monarquias ainda hoje se mantêm sem nos tirar o sono. Consideramos alguns regimes monárquicos bastante democráticos e até aceitáveis as despesas que Charles e Dianas, Juans e Sophias, Graces e Carolines deram e darão aos seus países. A mídia sempre destacou a elegância de seus gestos, roupas e atitudes; raramente questionou a legitimidade dos seus gastos.
A tradição cabalística ensina que se pode ascender por duas vias: o caminho da graça ou o caminho do esforço. Mas, ironicamente, afirma que os dois caminhos se unem num caminho do meio, mais direto, que conjuga os outros dois. Ou seja, aquele que é ungido pela graça mas também se esforça, caminha mais rapidamente. Ou vice-versa.
Os que são filhos, genros, irmãos ou cônjuges dos esforçados sempre fizeram um caminho mais rápido. Ou, talvez, fizeram um caminho que nem fariam se não fosse o parentesco a lhes facilitar as escolhas. Se não houvesse esta teia indiscernível (Destino? Esforço? Como sabê-lo?) não teríamos Evitas e Isabelitas; Hillarys e Rosinhas; John, Bob e Ted. Nem Amaral Peixoto e Moreira Franco (o genro e o genro do genro), nem Sarney e Roseana, nem Tancredo e Aécio, nem César Maia e Rodrigo, nem ACM e seu neto, que não lembro o nome mas é a cara do pai que por sua vez era filho.
No meio artístico não é diferente. Michael Douglas é filho que Kirk e no-lo (gostaram?) trouxe de volta com a mesma covinha no queixo; Jamie Lee Curtis e Jennifer Jason Leigh são filhas de Tony Curtis e Janet Leigh; o clã dos Barrymore atravessou gerações até chegar ao ET; Liza é filha de Judy, Nana é filha do Caymmi, Leandra é filha da Ângela e Sylvia é filha do Chico.
Nepotismo? Sim e não.


O caminho fica mais fácil quando o pai (ou a mãe, ou os dois, olha aí o Supla) já são alguém? Sem dúvida. É fácil ser parente de alguém que “é”? Talvez sim, talvez não. Poderíamos perguntar ao Veríssimo ou talvez ter perguntado à Elisa Lispector, irmã de Clarice e, segundo alguns, bem melhor do que ela. O parente célebre facilita mas também eclipsa.
Dom? Graça? Oportunidades abertas pela ascendência? Jamais saberemos. Nem nós, que estamos fora deste problema, nem aqueles (coitados) que estão mergulhados nele. Quem seríamos, se não fôssemos o que somos? Irrespondível.
Então, da nossa perplexidade, nascem as oligarquias, os clãs, as castas, as elites ou os marginalizados. Um filho de favelado tem muita chance de também ser favelado; uma vendedora da Daslu pode ganhar por mês mais do que um juiz, não se exige formação para o cargo. Mas entre as suas vendedoras temos a filha de um governador (Alckmin) e a neta de um senador (ACM). Ser balconista é um sub emprego, a que muitos se obrigam enquanto batalham por uma vida melhor? Depende. Nas Lojas Americanas é um sub emprego. Na Daslu é um super emprego. Qual a sutil diferença entre um cargo e outro? O nome da sua família.
Os valores familiares têm mais peso do que gostamos de admitir. Nos tornam vencedores ou espectadores; críticos ou cúmplices; atores ou platéia. Cada posição tem seu preço. Ocupá-la (ou não) vai depender dos valores legados pela família.
Até a santidade é hereditária. No cristianismo, temos a Sagrada Família: Jesus, Maria e José. Entre os muçulmanos, Maomé, Fátima e Ali. No mito, Isis, Osíris e seu filho Hórus. Ou Zeus, Hera e Ares. O panteão é sempre formado por membros de uma mesma família – conheça um e conhecerá todos. O que qualquer um conseguiu, seja poder ou sabedoria (as antíteses fundamentais), será legado à descendência.
Então, por que tanto espanto com os dias que vivemos?

10 Responses to “AS SAGRADAS FAMˇIAS”

  1. christiana says:

    Olha, aqui no Nóvoa em Folha não tem essa de nepotismo não… é tudo intriga da oposição. E se me acusarem desse nome feio aí, eu grito logo: “É a mãe!”…

  2. Clarice says:

    Há!Há!Há! Christiana, o Séverino diz a mesma coisa todos os dias!
    Entonces, Maria Helena, o négócio é nascer torcendo prá ter parente famoso, de preferência, famoso e bem fornido(eu disse fornido!), escolher a cor da rede e duas palmeiras e, peraí! Vai dizer que gastei tanta sola de Conga prá ir à escola e dinheiro que nunca tive, assim sem necessidade? Tardia descoberta, agora que dependo da continuidade, ainda que agonizante, do tal INSS, no qual todos somos parentes, queiramos ou não.
    Pois é. O que seria do mundo sem tantos personagens tão indispensáveis à grandeza da humanidade, não é mesmo?
    Um abraço e que bom ter você para ler de novo.

  3. Que texto sensacional, Maria Helena! (Bem, preciso me aprsentar…rs…: eu tenho tricotado com a sua filha, Christiana, há um tempinho, mas acho que é a primeira vez que comento um texto seu, embora já tenha lido alguns e gostado muito. Meu nome é Patrícia, tenho 28 anos e sou de São Paulo. Muito prazer!)
    Mas então, continuando…eu adorei este texto, e coincidentemente, falava sobre isso com uma amiga ontem, justamente o quanto o fato de ter sobrenome relativamente influente ajuda (como você lembrou, pode ser uma faca de dois gumes, pelas comparações e tudo o mais, mas ainda assim eu acho que mais ajuda do que atrapalha) a conseguir certas coisas.
    E o comentário da Christiana tá engraçadíssimo!
    Um beijo.
    ps: sua filha já percebeu que eu escrevo pelos cotovelos nos comentários, às vezes…espero que você não se importe! :)

  4. nando says:

    Que bom lê-la. Pois é, Maria, entre as Helenas, eu acho que estamos realmente num mar de heranças. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

  5. Flavio Prada says:

    Maria Helena, não digo que meu sobrenome tenha me aberto portas mas uma coisa noto, ja no Brasil era assim mas aqui na Italia ainda mais, que quando me apresento as pessoas me tratam de modo normal, natural. Quando eventualmente perguntam o sobrenome, todos invariavelmente ao ouvi-lo soltam um : hammmm, Prada? E o comportamento muda. Não sou eu que faço nada. Eu continuo igual, mas as pessoas mudam que eu sinto. Isso porque não tenho absolutamente nada a ver com a grife, imagino se tivesse. Sempre penso que devo me aproveitar mais dessa coisa, mas eu sou meio desligado.

  6. Fernando says:

    Se todas as famílias “reais” tivessem uma Grace Kelly, o nepotismo não seria tão desagradável. O problema é que em geral elas estão cheias de Pelezinhos Jr. Abraços.

  7. palomadawn says:

    Gostei do seu texto, parabéns! Que família culta, barrabás!

  8. Maria Helena says:

    Pois é, Clarice,
    Nossa hipocrisia é que nos faz condenar o nepotismo e admitir a herança. Os faraós casavam com a irmãs, por quê? Os que viram múmia unidos permanecem unidos.
    E mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga, né não?
    Patrícia,
    Já conhecia você. Além da Christiana também tenho uma Patrícia. Baixinha e inteligente, mal (ou bem) do nome. Não aparece por aqui porque está sempre ocupada com textos semióticos e cabalistas. Mas as homônimas chamam a minha atenção e são bem-vindas.
    Beijo!
    Nando, querido,
    Acho que ninguém sabe que Christiana e Patrícia também são Helenas. Como todo mundo, fui criando minha dinastiazinha. E leguei o nome, porque já desconfiava que não deixaria para elas um helicóptero da Daslu. Cada um dá o que tem.

  9. Maria Helena says:

    Flavio,
    O nome compõe o imaginário, não tem jeito. Para todos nós, você é elegntíssimo e refinado… ainda que jure não ter nada a ver com “a” grife.
    Ou será que acaba tendo, até pela via da coincidência?
    (Um dia vamos conversar sobre um Martignoni de Milão que veio para o Brasil em 1823. Era o nome de solteira da minha mãe, que não uso, só assino o Nóvoa espanhol legado pelo pai)
    Fernado, é verdade.
    Para cada Caroline, temos uma enxurrada de Charles nas outras famílias coroadas. E quando o rebento é bonitinho, é certa a contribuição de sangue plebeu.
    Barrabás, Paloma!!
    Entrei aqui como Pilatos.
    Beijo grande!!!

  10. Rafaela says:

    N??elo fato de termos na hist? da humanidade tantos exemplos nep?os, que devamos nos calar e n?nos indgnar por vivermos numa sociedade onde o sobrenome vale mais que o car?r…Est?xplicado ent?porque a grande maioria da popula? vive ?argem da sociedade, enquanto uma elite corrupta vive ?custas da mis?a alheia, como o citado ACM e seu neto.

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