A coisa toda pode começar assim, já pelo meio de um dia difícil. Porque não vale a pena lembrar os dias difíceis na íntegra, podemos começar do momento em que eles se revelam surpreendentes. E não são as pequenas decisões que mudam tudo, alteram para sempre o rumo dos acontecimentos?
Por que virar à esquerda na pequena travessa para tomar um café na livraria antes de ir para casa? Poderia escolher outro refúgio, ou podia simplesmente ir embora, como recomendaria o bom-senso num dia como aquele. Mas se ela tivesse bom-senso teria vindo até aqui? Teria feito o que já fizera de seu dia, de sua vida? A verdade é que ninguém é tão previsível.
E se não tivesse alguém, movido por sabe-se lá que espécie de motivação súbita, deixado ali em cima do balcão da livraria aquele livro, aberto displicentemente naquela página em que ela leu aquele poema de que agora já não se recorda mas que naquele instante a fez chorar? Talvez não fosse preciso um poema para fazê-la chorar naquele dia, mas que o tenha sido foi o que chamou a atenção dele, que estava pagando sua compra e iria imediatamente embora, não tivesse visto aquela moça discretamente bonita em segundos tornar-se rubra e expelir lágrimas em todas as direções, ao deitar os olhos sobre um poema. Não que tivesse um lenço para oferecer mas decidiu, num ímpeto, comprar-lhe o livro, o que teria sido indiscutivelmente um ótimo início de conversa, não fosse ele tão pouco firme em suas decisões, pois que achou a atitude descabida e potencialmente perigosa e logo desistiu, uma vez que ela poderia rechaçá-lo e sua auto-estima não suportaria tanto, após o péssimo dia que tivera até ali.
E se ele não tivesse resolvido, após perder sua felicidade, dar às circunstâncias mais uma chance? Só por isso pegou um livro de arte para olhar, sentou-se e pediu mais um café. Que tenha sido Renoir foi o que chamou a atenção dela, embora para ele tenha sido um mero acaso, foi o primeiro que viu.
E se ela não acreditasse no poder do acaso? E se tivesse juízo? Se não tivesse a ousadia de puxar aquele papo sobre impressionismo, que teria sido realmente um péssimo início de conversa, não fosse o celular dele tocar, deixando os dois constrangidos, no que ela se afastou embora fosse engano, passando a examinar as estantes com fingida atenção?
Que o tenha feito permitiu que ele lesse rapidamente o texto introdutório do livro que tinha em mãos, a partir do quê pôde entender, finalmente, a pergunta dela, que agora estava folheando, muito entretida, um livro de culinária, o que, sem dúvida alguma, facilitava as coisas.
Mas ele teria dito alguma coisa se ela não tivesse parado exatamente naquela foto, sob aquela luz, contra aquele fundo, o quadro todo enfim que se formou? Se não ostentasse aquele exato meio-sorriso, a expressão absôrta, o olhar na página do livro, a mordida quase atrevidamente convidativa nos lábios como que saboreando a imaginária iguaria?
Eu sei fazer uns Crepes Suzette mais bonitos que esses aí da foto, acredita?
Ah, não acredito mesmo. ela riu De jeito nenhum.
Vamos lá em casa que eu te mostro. ele arriscou, embora fosse mentira.
E não é que ela foi, embora fosse loucura? A vida não pode ser surpreendente?
Este foi o dia em que ela teria sido feliz, não fosse o bom-senso tê-la dissuadido de virar à esquerda naquela travessa para tomar um café na livraria, em meio a um dia como aquele.
A travessa ?squerda
Aug 2nd, 2005 by Christiana
Muito bom, minha ídola! É nessas decisões que se baseia toda vida, e não adianta ninguém me dizer que nós decidimos com consciência qual dos múltiplos caminhos tomar, eu acho é que qualquer um vai nos deixar pensando o que teria sido se tivéssemos viajado pelo outro. Ô dilema! E, para acabar de complicar, not all roads lead to Rome. Tem umas que nos fazem andar em círculo. Enfim… temos que andar, pois para isso viemos ao mundo. Bora…
Em última instância somos decisões andantes ou não?
Que lindo, Chris! Eu viajei nessa tarde. Deixa eu pensar que era uma tarde de outono. Você realimenta meu romantismo de uma forma sensível e brilhante.
Beijo, garota!
vc vai no amarelinho, né?
Eu também quase dei meia-volta volver no dia em que conheci o meu marido. Estava super cansada, mas ele me convenceu a acompanhá-lo na subida de uma escadaria.
Ah~h~h~~ :) Muito bom! Acho fascinante esse passeio pelas tangentes dos acontecimentos. Da bobagem que é mudar tudo, de repente. E de imaginar o cruzamento disso tudo entre cada pessoa e as outras. As interferências… os acasos, as coincidências, das maravilhosas às trágicas. É muito louco. :))
Beijos!!
Homem cozinhando crepes suzette, em casa?!?
Não era para dar certo.
Abraços
Se eu não tivesse encontrado por acaso este blog e se hoje não estivesse particularmente com tempo para leituras e se não soubesse o quanto quem escreve é talentosa e criativa, talvez eu não estivesse tendo o prazer que tenho neste momento. Voce me convenceu, vou te elogiar como se deve. Desde que mereça, é claro. Por enquanto merece e como. Beijos.
Pois é, Chris…como disse o Flávio, se eu jamais tivesse clicado em seu blog, morreria sem ler muitos dos textos que mais têm me tocado nos últimos tempos. A vida é mesmo feita de escolhas, todinha ela!
Um beijo.
Pessoas queridas,
como é bom ter leitores como vocês! Feliz decisão a minha de abrir este sítio. E o acaso também foi muito generoso comigo quando os trouxe até aqui.
Beijos a todos.
P.S. Papo brabo esse do crepe suzette, né não, Ricardo? Mas como bem comprova o exemplo de nossa amiga Leila, qualquer caô pode funcionar, quando vem da pessoa certa, na hora certa… ;o)
Chris, continuo com muito medo de você! Sabe que eu acabei de chegar, via link, lá do blog da Denise Arcoverde, onde eu ira tentar sanar minha falha erótica, e colocar o nome do… Ernesto Guevara de La Sierna, o meu macho com cheiro de charuto e cana-de-açúcar, ui! Vai ser fofo assim lá na minha alcova…
Adorei Chris:
As leis do imponderável nos conduzem e pensamos de forma as vezes arrogante que temos o controle de tudo. A humildade da aceitação do que não contolamos nos torna melhores e mais confiantes em um poder superior, protetor e amoroso. Não acha? Biijinho.
É o efeito borboleta, não é?
Antes de começar a ler, deixa eu falar que tô com saudade?
Beijos