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nóvoa em folha (making of) 067.jpgTive a ideia ao fim de uma noite virada, escrevendo, e lindamente amanhecida, passarinhos musicando e um casal de tucanos (sem conotação política, porrrrfavorrrrr) rasgando um céu desse azul que só as manhãs de outono sabem ter.

Olhei pela janela e vi o jardim coberto de folhas secas, na verdade um pouco úmidas do orvalho da madrugada, e achei que aquilo dava um caldo. Rescaldo de folha, sopa de verdura, de repente me lembro do verde… Nóvoa em Folha [momento aha heureca lampadinha plim]: um livro-caixa de haicais escritos em folhas!

Desci e catei todas as folhas que me pareceram escrevíveis, na verdade tirando as rôtas e as esfarrapadas não sobraram muitas, mas deu pra encher a trouxa improvisada na barra da camisola.

E agora? Nunca escrevi em folha antes, não tinha idéia de como fazer, nem se ia dar certo, mas de algum modo as etapas me vieram ao caos da mente de modo claro e até organizado: primeiro, eu tinha que prensar e desidratar as folhas. Peguei na biblioteca todos os catágolos que encontrei, dentro dos quais pus as folhas, e mais uma torre quase da minha altura de livrões bem pesados, pra pôr em cima.

Enquanto a gravidade fazia seu trabalho, fui à papelaria e comprei duas caixas com tampa, verniz fosco, tinta spray dourada e mais umas coisinhas, e fui procurar uma caneta que escrevesse em folhas. Precisa ver a cara da vendedora, quando eu tiro da bolsa uma folhona amarelada de amendoeira, que catei na rua ali perto, e começo a experimentar todas as canetas da loja. Finalmente achei a caneta perfeita, branca (de gel, caso você queira escrever em folhas algum dia), e fui feliz da vida pra casa, fazer arteirice.

A essa altura, as folhas já estavam no ponto, e nem sei explicar como foi tudo perfeito. Numa olhada rápida nos arquivos aqui do blog, achei 17 haicais, um bom número, já que o haicai tem, ao todo, 17 sílabas. Além disso, foi relativamente fácil escrever nas folhas, embora seja necessário escrever devagar pra que a tinta tenha um bom fluxo, repassando a caneta 2 ou 3 vezes, pra ficar bem legível. Até minha letra saiu boa (minha caligrafia tem humores, assim como meu cabelo, e nem todos apresentáveis) e, pra minha surpresa, errei bem pouco.

Cobri as folhas com verniz, pra fixar a escrita, e depois “plastifiquei” com cola cascorez, duas camadas, pra dar resistência. Pintei as caixas, que eram estampadas, com o spray dourado, pra uniformizar. Tive que deixar a tralheira secando enquanto ia tendo mais ideias.

Fui à Casa Pedro e comprei canela em pau, aniz estrelado, folhas de louro e noz moscada, pra representar os 4 elementos (respectivamente água, ar, fogo e terra). Separei uma parte pra decorar as tampas das caixas e o restante pra pôr dentro, ornando e perfumando as folhas: um magnífico buquê de árvore.

No dia seguinte, ou no anterior, não sei bem (na verdade eu passei uma semana praticamente sem dormir, em surto maníaco-criativo), fui ao Jardim Botânico catar mais folha, delícia de tarefa, mas levei um gentilíssimo puxão de orelha de um funcionário, que me abordou meio constrangido pra dizer que, embora as folhas secas sejam varridas e vão pro lixo, é proibido catá-las. Expliquei que era um trabalho de arte, que era só daquela vez e tal, e que não ia pegar mais nenhuma (já estava com a sacolinha cheia), e ele então, mui atenciosamente, fez vista grossa e deixou passar.

nóvoa em folha (making of) 050.jpgTratei as folhas e fiz uma nova leva dos 17 haicais, para a segunda caixa. Uma atividade bem terapêutica, escolher as folhas e tentar diagramar o haicai, e nem é difícil porque, curiosamente, a estrutura clássica do haicai tem uma frase menor acima, uma maior ao centro, e outra mais curta abaixo (5/7/5), o que cabe direitinho no formato da folha. Suponho até que os primeiros haicaístas, em sua bucólica contemplação, também escrevessem assim (só que na vertical, porque eram japoneses). Os haicais e as folhas parecem ter sido feitos um para o outro.

Foi lindo, mas ao fim da segunda “fornada” de folhas, com suas inúmeras etapas – que nem detalhei aqui pra não me cansar dobrado, mas até passar a ferro eu passei – decidi que se encerrava ali minha carreira de monja fólio-copista.

Depois, veio um momento complexo: forrar a caixa. Usei uma técnica de encadernação selvagem desenvolvida por mim mesma, com cartolina, fita, e acabamento interno em exclusivo e inventado na hora “rolotê de papel-de-seda” (porque não achei barbante), que consiste em papel de seda torcido e embebido em cola.

E aí fui decorar as tampas: simplesmente afogar os 4 temperos elementais em poças de cola, depois envernizar pra tirar o excesso de brilho, e salpicar tudo de canela em pó e noz-moscada ralada na hora. Fiz umas “folhas de rosto” com as informações, assinei e colei no fundo da tampa.

Quando ficou pronto, tive quase o mesmo assombro imodesto de quando meu filho nasceu: nossa, essa coisa incrível saiu de mim?

Eu pensava em fazer uma série, pra vender, mas não tinha ideia do trabalho que ia dar. Gosto de fazer as coisas com prazer, e amei cada momento da confecção dessas duas caixas, mas não faria com prazer 20 ou 30. Até porque eu prometi praquele funcionário gentil e educado que não ia pegar mais nenhuma folhinha, lembra?, e o jardim aqui de casa não dá conta de uma produção industrial.

Então serão só 2 caixas mesmo, filhas gêmeas (não-idênticas) de mãe divorciada. Uma delas ficou pra mim (apeguei!) e a outra, não sei ainda se vendo ou se fico. Se for vender, sendo peça semi-única, não sei por quanto. Aceito sugestões (e oferta$) nos comentários ou por email.

Tem fotos aqui, ó. Não ficaram grande coisa, fiz com a câmera do meu celular vagabundo, mas dá pra ter uma noção.

Feliz Páscoa a todos! E que o outono nos traga bons frutos.

~ ~ *** ~ ~

Nóvoa em Folha: a caixa >> FOTOS AQUI

9 Responses to “Nóvoa em Folha: a caixa”

  1. Lindo, lindo, lindo. Me inspirou pro projeto do nosso coletivozinho.

  2. Olga says:

    Christiana, grande idéia! Ficaram lindas!
    Bonito e singelo também o relato de como se deu a criação. Eu que não consigo nem traçar uma reta com a tesoura, fico embevecida e reverencio a artista que você é.
    Ah, se não rolar uma oferta irrecusável ou você não se apegar também à segunda caixa, sugiro um sorteio entre os leitores, que tal?
    E que coisa mais estranha não poder catar as folhas caídas no JB, já que o final delas é o lixo. Fiquei tentando entender o porquê.

  3. Christiana Nóvoa says:

    Camila, legal que gostou! E se minhas folhas puderem servir de combustível pro nosso coletivinho, acho ótimo, bora fazer ;)
    .
    Olga, agradecida, e esteja certa de que sua leitura é um grande estímulo! Olha, eu sortearia hoje mesmo a caixa entre meus poucos e muito bons leitores, não fosse a necessidade pouco poética de fazer… caixa. Em todo caso, se você gostou, manda seu endereço por email, que eu mando uma folha-haicai, de presente de aniversário do blog :)
    ~***~
    Feliz póspáscoa, chocobeijos, tudo de bombom pra todos nós.

  4. Olga says:

    Christiana, eu compreendo perfeitamente o ter de fazer caixa e acho que a poesia também, querida.
    E quanto ao presente, embora um pouco constrangida (somente um pouquinho), aceito toda feliz, até porque sou educada e presente não se recusa, né?
    Só que não quero dar trabalho, por e-mail podíamos combinar de eu passar em algum lugar que fosse conveniente pra você, e eu teria muito prazer em pegá-lo. Que tal?

  5. Christiana Nóvoa says:

    Olga, ótima idéia, será um prazer! Podemos tomar um café no Jardim Botânico, um dos meus lugares preferidos no mundo, que tal? Assim que passar esse dilúvio, né? A propósito, que aguaceiro é esse? socorro… e você, está a salvo?
    Um beijo.

  6. googala says:

    Tive a honra de ver/sentir/cheirar/pegar/ouvir ao vivo que reteso,atesto e retesto:
    Tão geniais que deixam essas fotos banais…
    Lindas mesmo.
    E isso fora os haicais em si, que são outros microcolossos literários
    bjs

  7. Olga says:

    Christiana, ótimo! Não poderia ser melhor.
    Deixa a poeira baixar e combinamos, tá?
    Estou a salvo, mas não sem muita angústia, pelos os meus e pelos outros. Beijos!

  8. fina flor says:

    uau, deve ter ficado lindo!
    super criativo, deu vontade de ver, pegar, tocar.
    beijos, querida e muitas noites e manhãs inspiradas para ti
    MM.
    >>> apareça qualquer dia desses no Poesia no SESI, no teatro do SESI, tá bem bacana o projeto! toda quarta, ao meio dia… esse mês estamos homenageando Maiakovski

  9. Christiana Nóvoa says:

    googa, fico feliz com a sua opinião de quem viu ao vivo, porque as fotos realmente não ajudam muito. Estou esperando algum fotógrafo se voluntarizar ;)
    .
    Olga, estamos combinadíssimas então. Assim que as águas baixarem nessa terra, socorro. Tomara que o Jardim Botânico não tenha ficado muito destruído, nem fui lá ainda, depois do dilúvio…
    .
    Monica, que bom que você gostou!
    Agradecida pelo convite, se der vou sim, amo Maiakovski.
    .
    Beijos estrelados de anis ***

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