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Alice at the Mad Hatter’s tea party — Illustration to the fifth chapter of Alice in Wonderland by John Tenniel.

 

Estive assistindo ao simpósio Travessias Poéticas: Brasil e Portugal  e, em dado momento, tive a graça de ver-me sentada num café com duas das grandes poetas da nossa língua, uma brasileira e outra portuguesa: Alice Ruiz e Ana Luisa Amaral.

Luxo total para o meu eu lírico! Um desses momentos inesperados e irrepetíveis que a gente sabe que vai reter na memória para sempre. As duas poetérrimas e euzinha, as três nos conhecendo ali, naquele momento. Claro que eu escutando mais do que falando, né gente, que eu tenho um mínimo de senso, mas no final estávamos contando a vida, falando de filhos e tecendo considerações sobre o feminino. Esse tricô básico de mulheres, enriquecido pelos fios preciosos das duas que, generosas, compartilharam com esta aspirante a poeta pérolas de sua sabedoria.

Esse momento durou o tempo mágico de um café que se alongou num banco anexo, dando para o ar livre onde elas pudessem fumar, e eu, aspirar feliz seus sinais de fumaça.

Apresento aqui cada uma delas com um poema de que gosto especialmente, mas há bem mais a conhecer. Vale a pena embrenhar-se nas obras de ambas pelo tempo de muitos e muitos cafés.

  
 

sumiê de fios, de folhas, sem tinta e sem pincel, onde o espaço faz papel de papel, o fio faz o efeito da escrita, os livros, fios em branco, são lidos pelo avesso, de lado, de vulto, de soslaio, os fios das folhas em ritmo, ora gráfico, ora elétrico, escrevem rimas ricas, linhas em todas as direções devolvem, resolvem nosso emaranhado enquanto flutua  a dura madeira,  nua carne, árvore madura suspensa, susto que pensa, pressente, arrepio de pêlos que nascem, atravessam, passam, morrem no pálido da pele onde ainda persiste um nada que se move na força dos fios e revela sua leveza e eleva o peso  do espaço com todas as palavras não ditas

 
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Orfeu do Avesso

(Ana Luísa Amaral)

De pé sobre o abismo

e não morri:

   

  

Canto gregoriano

   

muito limpo

   

não me chegou:

 

  

o fim

  

Catedral

  

sobre o risco,

  

sobre um azul tão grande

  

que afundar-me podia

  

  

Ao fundo do mais fundo

 

mergulhei

 

e não morri:

 

amei

 

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