Andam me cobrando que dê mais as caras por aqui, mas sou muito indisciplinada. Estive pensando em outras coisas ou, sei lá, fiquei sem assunto, me perdoam? Continuo amando cada um dos gatinhos pingados queridos que me alegram com sua leitura mas não posso contrariar minha natureza indolente.
Contudo, num esforço de consideração comunicativa, vou dividir com vocês alguns momentos traumáticos por que passei recentemente, ainda que tal relato exponha minhas vulnerabilidades de caráter à execração pública.
Sim, porque quisera eu narrar aqui algum feito heróico, a conquista de um prêmio importante ou meu enriquecimento repentino, mas as novas que trago não são tão alvissareiras. Na verdade, trata-se da confissão de um ato vil:
Eu matei uma esperança!
E com requintes de sadismo, ainda que involuntário, se é que existe algoz inocente. Devo dizer em defesa própria que, se fui covarde, foi porque movida por um medo pânico, abissal.
Tenho pavor de esperanças, grilos, gafanhotos, louva-deuses e todos os demais membros dessa família, tanto quanto de baratas. Não que eles sejam nojentos como as cucarachas, pois até não são. Costumam vir da mata, de lugares limpinhos. Mas têm uma textura áspera, totalmente aflita, e pulam. Em geral, na minha direção. Não sei o que eles têm comigo, deve ser porque emito luz…
Uma vez, estando sozinha em casa e não querendo cometer inseticídio, olhei bem praquela coisinha verde e pensei o mais alto que pude: “Pessoas não comem esperanças e esperanças não comem pessoas, portanto não precisamos ser inimigas. Então vamos fazer um trato: Você não me ataca, eu não te ataco e viveremos felizes para sempre”.
Sabem qual foi a resposta da fofa ao meu anúncio de cessar-fogo? Lançou-se num salto diretamente para o meio da minha testa! Quando acordei da síncope, despejei meio tubo de Baygon em cima dela e fui dormir na casa da minha mãe, onde aliás moro até hoje, mas não por culpa da esperança, verdade seja dita. Talvez até por falta dela, mas isso já é digressão.
O fato é que não confio mais em esperança, nem adianta fazer aquela carinha de bicho-grilo. É ela ou eu.
Essa do outro dia ainda por cima era enorme, devia ser uma esperança-de-itú. A meio metro da minha cama.
Tentando manter a calma eu simplesmente saí dali, apaguei a luz do quarto, acendi a do corredor (tudo isso eu fiz escondida embaixo de uma toalha) desci e fui ver televisão por mais de uma hora, pra ver se a bicha via a luz e saía do meu caminho. Quando retornei, já exausta, lá estava ela no mesmíssimo lugar.
“Bom”, pensei eu, em meu melhor esperancês, “lamento muito, mas lhe dei todas as chances. Agora é chegada a hora do Baygon”, e fui ao armário da cozinha buscar minha arma. Só que – tragédia das tragédias – o Baygon estava vazio! Vaziinho, não fazia nem mais aquele barulho de vento pra soprar o bicho pra longe.
Peguei a arma química mais letal que pude encontrar: um perfume francês vencido. Opium, ainda por cima! De longe, protegida pela toalha, desferi vários jatos opiáceos, pensando que daria ao inseto uma morfininha piedosa.
Foi aí que a bicha se transformou. Começou a cricrilar ensandecida, como cigarra prestes a estourar, enquanto rolava e estertorava num espetáculo horripilante. E nada de morrer.
Tive que finalizar o serviço imobilizando-a com um spray de laquê, para poder então me aproximar e dar a chinelada de misericórdia.
A visão da desesperançada agonia (ou terá sido o cheiro untuoso do perfume?) não me deixou dormir por muitas horas, enquanto uma constatação estarrecedora assombrava minha vigília:
O medo, afinal, venceu a esperança.
Consigo entender seu suplício, tbém tenho pavor dessa “esperança”. E o medo a vence, sempre, mesmo quando eu juro que desta vez a enfrentarei com galhardia. Ma che!
Voce faz prosa que no fundo é poesia até com insetos e inseticidas. Voce é fantástica. Um dia ainda vou te dar um abraço bem forte, tenho esta esperança. Beijos.
Nóvoa!
Senti firmesa! Não pode nos abandonar não, viu? Você é responsável por aquilo que cativa. Etc.
Beijos da tua fã
Dal.
Palpiteira, que bom que você me apóia! Achei que seria crucificada por alguma entidade protetora dos animais ou agredida por uma ativista da PETA mas, até agora, eles não me descobriram, ufa! Não sei quem inventou de chamar este gafanhoto verde de esperança, e ainda espalhou o boato de que ele dá sorte… vixe!
Flavio, também tenho esta esperança, que é quase uma certeza! Sinta-se abraçadíssimo.
Dal, darling, eu que sou sua fã. Estou sumida porque sou ciclotímica assim mesmo, viu?
Beijos!!!!!!!!
Hum, acabo de descobrir, acho que sou isso também: ciclotímica. Ah, vc é demais. :)
Que bom te ler outra vez !! Tinha quase me esquecido de que você é tão genial em prosa quanto em verso. Eu também já tentei matar um inseto – uma barata – com o laquê da minha mãe. Acho que não consegui, mas pelo menos a bicha deve ter feito o maior sucesso pelos esgotos, com suas anteninhas impecavelmente penteadas…
:o*
Chris…
que bom te ver de volta…
não some, não… vc é importante pra gente… estamos acostumados com a delícia das tuas palavras…
… tá bom, tá bom… eu sei q tenho q respeitar os momentos de cada um, e eu respeito os seus… mas fico com saudades, viu?
um beijo.
Ah! esqueci de falar… tb tenho pânico desses bichos! fico até com falta de ar! rsrs…
beijo.
Por que o laquê é sempre da mãe? Algumas mães são descabeladas.
(Beijo saudoso, Cynthia e Flavio, com quem não falo há um tempão!)
Dizem que um dos pressupostos do poeta é isso: a desesperança. Assim consegue gerar, criar, tal qual a natureza. Não há parto sem dor. Lembro que quando era jovem saia das relações direto para a Remington, e ali tartamudeava pelos teclados até que bocejasse um samba. É muito bom ler teus textos, são instigantes e inspiradores, mas aposto que os seus próximos gostariam de vê-la mais feliz.
Abraço
Hehehe, Palpiteira, nós mulheres costumamos ser assim, ciclotímicas por natureza. Você acha que eu sou demais? Pois às vezes sou de menos… mas sempre em transformação! :)
Cynthia, saudadíssimas!!!! Adorei imaginar a Dona Baratinha toda-toda, com as anteninhas laqueadas!
Fê, vamos criar uma comunidade no Orkut: “Esperança, tô fora!”
Eu não sumo não, só dou um tempo. É pra vocês sentirem um pouquinho a minha falta. ;)
Mãe, só as mães têm laquê, ora bolas! Não conheço ninguém com menos de cinqüenta anos que use isso… a não ser pra matar baratas!
Jair, eu também tenho saudades da minha primeira máquina de escrever, que meu avô me deu qdo eu tinha uns 7 anos. Foi nela que escrevi meu primeiro poeminha, que minha zeloza mãe guarda até hoje (ou não, mâmi??). Olha, eu também queria estar mais felizinha… mas não se preocupe, eu detesto esperanças mas tenho fé!
Xô, inv(f)erno astral! Dias melhores VERÃO….
Beijos a todos!
Chris…
amei a idéia da comunidade!!
mas vc q tem q criar, né? afinal, a idéia foi sua… mas me avise, vou ser a primeira a participar! hehehe…
é sempre tão bom qdo tem novo post aqui… e tão legal vc responder os comments…
um beijão!
Fê, eu também adoro essa troca, amo receber seus comentários! Quando não respondo, é porque não soube o que dizer…
Beijos!
No meu comentário acima, esqueci de mencionar algo:
“Pandora ainda tentou fechar a caixa, mas era tarde demais: ela estava vazia, com a exceção da “esperança” que permaneceu presa junto à borda da caixa.
A visão mitológica é extremamente machista, como de resto a história inteira. Mas, gurias, não matem esta baratinha presa na borda da vida.
Chineladas e borrifadas de esperanças à todos.
Jair, confesso a você que, tal como Pandora, eu também abriria a caixa e atire a primeira bolsa a mulher que não o faria mas teria largado na hora, ao ver a esperança na borda, ui!
Tem uma seita, acho que são os jainistas, que andam com uma vassourinha varrendo onde vão pisar, pra não matar nenhum inseto. Acho que vou adotar vassourinhas, pra espantar bichos estranhos sem matar. E muuuuuita meditação, pra não entrar em pânico com a áspera esperança pulando a esmo.
Adorável Christiana, confundiste “Esperança” com “Confiança”. Confiança é um bichinho laranja e ela não pula na gente.
Um beijo do Eulálio.
E parabéns pelo blog!
verdadeira proesia. bj
Ainda bem que encontrei algué que compartilha deste mesmo pavor que eu. Essas pestes, pragas do Egito, só ¶¯am em dire磯 da gente. A unica arma que tenho é inha m㥠que assassina todas que est㯠no meu caminho pra mim, pois tenho tanto medo que nem consigo chegar perto delas para mata-las.
Como vc sabe, eu estudo esses “bichinhos” e vc acaba de matar meu ganha-pão com uma laquezada. ;-)
Ao matar esse espécime, vc colocou fim numa linha de deslumbramento que se iniciou há bilhões de ano- com o surgimento da primeira célula na terra- e nunca havia se quebrado até então… É a tênue linha dos amorosos, que deixaram descendentes que se extinguiram, mas ela mesma se manteve ondulante através das eras para se prender num inofensivo bichinho verde que tem a fama de ser- e foi- a última a morrer. Mas o que ela queria em seu quarto? – Talvez apenas lhe dizer dos mistérios que voam pelas janelas de uma perenidade ilusória.
P.S.- Não, não se sinta péssima… eu tb preciso matar insetos para estudá-los. Mas… com uma laquezada… pelamordedeus!!! rssss
Firmeza, com “z”. Agora já posso dormir. ZZZZZZ (e não SSSSSS)