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Generosidade

Todo jovem rebelde vira careta. O tempo tem o poder de massacrar a rebeldia e encaixa-la, às vezes encaixota-la. Não temo os jovens rebeldes.
Nestes muitos anos de vida, vi de tudo. Acompanhei o nascimento e o ocaso de várias tribos: os points, as roupas, os cabelos, as gírias, as atitudes. Vi também como tudo ia passando e o tempo ia trazendo o extremo para a média. Quem tinha simpatia pelo Diabo, ao final de alguns anos, acabava por simpatizar com Luciana Gimenez. O jovem, ou morre de loucura quando jovem ou – a partir dos trinta e alguma coisa – começa a encaretar.
Mas uma qualidade é desenvolvida na juventude ou não é desenvolvida nunca – a generosidade.
A generosidade é uma nobreza difusa, que bloqueia o egoísmo. O generoso é menos individualista e mais fraterno. O jovem investe contra a família e a ordem instituída porque acredita ingenuamente em um mundo ideal, que não é o real, e sabemos que os idealistas são indispensáveis. Depois, submerge na necessidade, abre mão da liberdade e pronto – encaretou, se encaixou, virou adulto. Mas o melhor de nós ficou lá atrás, quando ainda achávamos que podíamos reinventar o mundo com a nossa generosidade inconseqüente.
Me entendo melhor com jovens do que com aqueles que já desacreditaram e convivo com eles por ofício e prazer. Procuro compreender como pensam e sentem porque eles serão os caretas de amanhã e o mundo sempre pertenceu aos caretas. E agora, que sou colunista regular num site de jovens com leitores predominantemente jovens, saio por aí procurando outros sítios para saber mais sobre os moços de outras plagas, já que a juventude carioca não me dá uma visão geral da mocidade brasileira. Ou talvez dê, não sei.
Encontrei este post há dias nas minhas navegadas e vou citá-lo inteiro porque acho desonesto pinçar frases soltas de um texto. Leiam, que vale a pena. Foi escrito por um jovem, parece que agraciado por excelente situação financeira, com discurso coerente e vírgulas bem colocadas:
” ´O ABC é palco da luta operária que deu origem ao PT. Os metalúrgicos de ontem são os desempregados e sem-teto de hoje. Nossa luta é para, a longo prazo, promover uma transição para o socialismo.’
A declaração acima é de uma tal Camila Alves. A retirante em questão se diz uma das “coordenadoras” da ocupação pelos “sem-teto” do terreno da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, SP. Sim, você leu corretamente – socialismo. O pior é que pessoas assim não estão sozinhas, neste lixo de país – 90% ou mais do Brasil está mental e intelectualmente incapacitado para viver no mundo real. Melhor estariam em sanatórios, com babadores a tiracolo. A queda do muro de Berlim, a falência da URSS, a miséria em que vivem Cuba e Coréia do Norte, nada disso parece importar pra essa gente, que ainda sonha em implantar no Brasil o regime mais vil e criminoso da história da humanidade. Idolatram criminosos; fazem com que adolescentes imberbes e ingênuos, com testosterona no lugar de neurônios, usem camisetas de bandoleiros como Che Guevara e promovam passeatas em nome de terroristas como Mandela e Arafat. Conseguiram eleger um torneiro mecânico iletrado para presidente da maior nação da América Latina, conseguindo relegá-la a um papel ainda mais periférico no cenário mundial do que antes.
Às vezes tenho delírios de grandeza, e imagino-me um imperador, rei ou ditador – e aí, coitada dessa moça. A punição mais branda que eu infligiria nela envolveria suas partes pudendas, um tubo de PVC e camundongos famintos.”
Omito o nome do moço porque o moço importa pouco e a mim não importa nada, não o conheço. Imagino que um jovem gostaria de enfrentar um inimigo de frente – matar ou morrer em combate – afinal, os heróis sempre morreram moços e com a espada na mão: quem morre velho é o sábio. Mas este moço, não. Quando ele tem delírios de grandeza, pensa em perversidades. Tenho medo de imperadores, reis e ditadores mas nunca tive medo de jovens, nem quando era um deles. Deveria passar a ter?
Desde as sociedades primitivas até os nossos tempos, o herói é cultuado e pranteado. E herói é o oposto de covarde. Um herói não pisa em quem está caído, não atira em quem já foi rendido nem bate em alguém que tenha as mãos amarradas, qualquer criança sabe disso. Um herói pode matar, sim – e quase todos os nossos heróis foram matadores -, mas não tortura.
A minha geração foi o alvo preferido da tortura na década de 70. Éramos os jovens de então, tive alguns amigos torturados e não sou uma exceção: quem quer que freqüentasse uma faculdade naquela época conheceria torturados e torturadores – estes, costumavam sentar-se na última fileira das salas de aula. Nunca percebi nos torturados qualquer revolta contra a morte ou os que mataram – meteram-se numa guerra e a morte fazia parte do jogo, era um pesadelo que fugia ao controle. O que os destruiu foi a tortura.
– Dez minutos – contava-me um amigo. – Depois de dez minutos, você fala o que sabe. O que não sabe, inventa.
Em dez minutos, um homem virava um cão, lambia o chão e pedia por favor. Depois, até o soltavam. E ele passava muitos anos tentando ser homem, novamente. Muitos não conseguiram.
Também conheci velhos estrangeiros que lutaram na Segunda Guerra e na Guerra Civil Espanhola, pessoas que correram o risco de morrer e que mataram. Não se pensa muito quando se mata um inimigo, os mortos assombram depois. Mas havia a preocupação com a morte rápida – todos eles relatavam -, com o tiro de misericórdia. E, sempre que podiam, com algum rito de sepultamento. Os sete palmos de terra fazem parte dos nossos mitos e numa guerra todos são personagens míticos e trágicos – são Aquiles e Heitor, vencedor e perdedor, e são também Antígona, correndo riscos para dar sepultura a um irmão.
Pode haver em quem mata, respeito pela vida. E pode-se matar alguém mesmo sendo generoso, os tempos às vezes são cruéis. O que não pode haver é a lógica de um Maluf – estupra mas não mata. Quando a lógica incide, absoluta, sobre a vida e sobre a morte, vira cinismo. Porque vida e morte não são lógicas, não: o generoso mata mas não estupra.
O generoso mata limpo e espera morrer limpo. A lógica malufiana não vale para ele e matar 20 milhões pode não ser melhor do que matar 40. Depende. Como não é melhor morrer aos 80 do que aos 20. Tudo depende do valor que se concede à vida, do por quê se mata e se morre. O intolerável não é a morte – morrer todos nós vamos -, é o aviltamento do homem.
Pode-se morrer para defender a pátria, uma ponte, um princípio ou até mesmo uma frase:
– No pasarán! – E não passaram.
A isto se chama dignidade. Pode-se morrer de doença, velhice ou até – quem sabe – de dignidade.
Num mundo de jovens talvez se morresse e se matasse mais. Mas talvez houvesse mais generosidade, esta qualidade utópica que os anos e os lanhos vão empobrecendo.
Tenho pena de um jovem que na juventude não seja capaz de matar e de morrer por nada, está jogando fora um tempo que não volta. E que pense em tubos de PVC e camundongos famintos, quando localiza um inimigo. Não temo os jovens nem suas loucuras, gosto deles. Mas deste jovem eu tenho muito medo – ele ainda está vivo e habita entre nós.

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