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Godono

Em 1964, alguns anos antes de conhecer John Lennon, Yoko Ono chocou o Japão ao fazer sua performance ‘Cut Piece’, em que entrava em cena vestindo uma bata branca e distribuía tesouras ao público. Este, por sua vez, era convidado a recortar pedaços da roupa de Yoko e assim, lentamente, ela ficava nua. Quase 40 anos depois, a viúva de John Lennon, agora com 70 anos de idade, anunciou que voltará a fazer sua ‘Cut Piece’, no próximo dia 15, em Paris, como uma tentativa de promover a paz mundial!
Yoko, a paz mundial agradece.
Quando Aristófanes escreveu Lisístrata, no século V a.C., a Guerra do Peloponeso já se arrastava há vinte anos e a cidade era habitada basicamente por velhos, crianças e viúvas. É neste cenário que Aristófanes apresenta sua peça, sobre as mulheres de Atenas, e dirige à platéia uma engraçada e utópica proposta de paz:
Assuntos da vida pública cabem por natureza aos homens mas eles só estão fazendo besteira e as mulheres resolvem descruzar os braços e tomar uma atitude: – Basta de guerra – decidem, reunidas numa clandestina assembléia pan-helênica, convocada por Lisístrata. E como elas forçarão os homens gregos a celebrar a paz imediata? Simples – cruzando as pernas. Lisístrata faz as mulheres jurarem que não farão mais sexo enquanto a paz não sair. Parece que os homens entenderam e, afirma Aristófanes, por isso a guerra acabou. Protesto bom é o que provoca mudanças.
Mas… e a nudez da Yoko, heim?
O século que passou – o nosso – foi o século do protesto, protestou-se contra tudo. Quando Gandhi fazia uma greve de fome o Império Britânico tremia: adepto da não-violência, Gandhi chamava a si o sofrimento do seu povo e se martirizou até que a independência da Índia fosse conquistada mas proibia aos hindus qualquer ato agressivo contra o inglês colonizador. Greve de sexo e de fome são protestos claros, que até uma criança pode entender. Já a nudez da Yoko, não sei não.
Mas não foi ela que descobriu que tirar a roupa era protesto. Na verdade, tirar a roupa como contestação começou há mil anos atrás, com Lady Godiva. Godiva era uma lady muito boa, casada com um lord muito mau, e vivia em Coventry, feudo do lord que tinha a mania de aumentar impostos. Um dia, Godiva parou de comer chocolates e pediu ao lord para baixar os impostos, coitado do povo. O lord disse que isso só aconteceria no dia em que ela cavalgasse nua pela cidade, maneira britânica de dizer never, my dear. Naquela noite Godiva saiu a cavalo, coberta apenas com seus cabelos, e passou à História como a primeira feminista a dar um uso político ao corpo. Lisístrata não conta porque negociou o sexo e isso não é politicamente correto. Mas Yoko é corretíssima.
Afrontar os poderes estabelecidos com a pureza do corpo nu não é exibicionismo, gente, é política pura. Não admira, pois, que haja pessoas tirando a roupa pelas mais diversificadas causas, seja contra a guerra do Iraque ou os direitos dos animais. Famosos ou anônimos engajados despiram-se, nas últimas décadas, em vários lugares do mundo, utilizando sempre a mesmas palavras de ordem: algo como – “Preferimos viver nus a usar peles”. – Às vezes, um ou outro esquecia os motivos pelos quais ficava pelado mas não importa: “Legalizem o corpo humano” já era uma bandeira.
Tivemos nossas Godivas. Aqui, Gal cantou: “Brasil, mostra a tua cara!”, abriu a blusa verde-amarela, mostrou os peitos e nós entendemos tudo. Não lembro se era contra a corrupção ou a favor da cirurgia plástica como direito universal e inalienável das mulheres carentes mas foi um belo protesto.
O último a ganhar manchetes foi um strip-tease literário. Uma mulher não se conteve na posse de Paulo Coelho na Academia Brasileira de Letras e, no meio da festa, sem cerimônia, tirou o vestido em que havia escritos poemas de Mário Quintana. Parece que, por respeito à Casa de Machado, manteve os sapatos.
Não, Yoko não é pioneira e não podemos imputar-lhe a responsabilidade pelos corpos protestantes que assolam o planeta. É que a Yoko, bem, não é uma questão moral, gente.
É que John era libriano e os manuais afirmam que librianos têm uma estética mais desenvolvida do que o resto da humanidade. Sabemos que a paz mundial está ameaçada mas, John – se lá no assento etéreo onde subiste, memória desta vida se consente – aparece pra ela, John:
– Nudez não, Yoko, por favor, nudez não! Greve de fome!!

One Response to “Godono”

  1. mazurka Menna Barreto says:

    Oi meu nome é mazurka Menna Barreto. Meu celular.22997104899 sou a pessoa que fez o protesto na ABL, posse do Paulo Coelho.se for possível. Gostaria de falar com vc. Obrigada. kground_position_y”:”0%”,”rendered_wiposso te 580″,”rendered_height”:”265″,”background_size”:”auto”,”background_repeat”:”repeat-x”}” style=”” data-lite-y-begin=”0″ data-lite-height=”0″>

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