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Angu

Eu não tenho time de futebol. Depois de adotar 4 ou 5 diferentes bandeiras em busca daquela do coração, aposentei a revirada casaca e assumi a indefinição crônica. Não sei nada sobre futebol, vou torcer pra quê? Arquivei o assunto e confesso que não me preocupo muito com esta lacuna, salvo em épocas de Copa ou outros campeonatos importantes, qundo minha ignorância fica mais flagrante e sou obrigada a estudar a máscara facial e as exclamações dos outros, como um autista que quer aprender a se comportar num mundo que não faz sentido. Mas Copas são bissextas (quando é a próxima mesmo?) e, no resto do tempo, mantenho um funcionamento público quase satisfatório, mesmo com este aleijão cultural.
Em religião é quase a mesma coisa, não tenho. Só que é mais sofrido, não consigo abandonar totalmente a questão como quem descarta um supérfluo na gôndola do supermercado. Nem Marx, nem Freud, nem outros céticos menos cotados jamais conseguiram fechar meus olhos para a estranha ordem do inexplicável, a impalpável consciência que me pensa no mundo. Se você insistir em dar um nome a isso, eu me definiria como “angunóstica”, porque eu me angustio por não saber nada sobre Deus. E também porque esta ansiedade me fez absorver indiscriminadamente, ao longo da vida, uma quantidade abusiva de informações místico-religio-esotéricas as mais díspares – um verdadeiro angu – de Saint-German a Obaluaiê, de Wicca a Sai Baba, da abdução alienígena da Virgem Maria à iminente encarnação do senhor Maytréia. Em matérias do além já conheci de tudo e um pouco mais, sem me convencer totalmente de nada. Passo mal dentro de Igreja (e não vem me exorcizar, que eu mordo!). Gosto do Tao mas ele, em sua simplicidade de sabedoria, pouco satisfaz à minha ânsia por respostas peremptórias e inequívocas: quem, como exatamente (sou curiosa por detalhes), pra quê, onde está, desde quando (digo datas, “sempre esteve” não é resposta), como chegou lá, qual seu nome e, o mais importante:
Como eu posso conseguir uma entrevista exclusiva? Um particular, como Moisés e outros profetas afirmam ter tido. Cinco minutinhos, não mais. Aí pronto; eu perguntava tudo, absorvia miraculosamente todas as respostas e, no final, pedia cinco minutos de prorrogação. Claro, porque eu tenho que ter direito a réplica, afinal estamos ou não numa…(hum, acho que esse negócio de democracia , apesar de ser o que há de melhor na terra, não deixa de ter parte com o demo. Melhor evitar gafes nesta curta entrevista)…teocracia? Então, eu poderia desfiar meu rosário de reivindicações do consumidor:
Em primeiro lugar, embora a dor leve ao crescimento, questiono a validade deste método pedagógico: está cientificamente comprovado que o reforçamento positivo produz resultados educacionais melhores e de mais longo prazo que a coerção. Ou seja: mais felicidade como prêmio, menos dor como castigo e o resultado seria uma humanidade mais ajustada, uma “família” mais feliz. Então, abaixo a palmatória!
Em segundo lugar, o tempo linear é uma coisa meio careta e muito limitada. Devíamos poder pular as partes chatas, voltar pro aconchego dos bons momentos e tirar umas feriazinhas num futuro promissor.
Terceiro, tudo muito sólido. Isso machuca. E pesado, cansa. Menos densidade, menos gravidade e tudo ficaria mais…leve. Na impossibilidade de atender a esta reivindicação, um par de asinhas quebrava o galho.
Quarto, tele-transporte já! Seria o fim dos engarrafamentos, dos ônibus, das ponte-aéreas, mas o melhor de tudo é que os bêbados poderiam voltar para casa sem causar acidentes no trajeto. Na pior das hipóteses, poderia haver um erro como naquele filme da mosca, e o cara ia se re-materializar com um gargalo no lugar do pescoço enquanto, no bar, uma garrafa long-neck com a sua cabecinha suplicaria “help me!”.
E quinto (meus cinco minutos estão quase acabando) telepatia. Falar o que a gente quer é tão difícil, entre a cabeça e a boca um mundo se perde, são tantos desvios e despenhadeiros de palavras que quando a gente vê já está lá embaixo e não tem volta, está dito, mesmo que esteja tudo errado. Esse negócio de escrever parece um pouquinho mais seguro, mais ponderado (embora não esteja livre de mal-entendidos), às vezes até é bem divertido mas sempre existem vãos que as palavras não cobrem. Além de tudo, arrumar as idéias, depois as pausas, depois as letras, uma depois da outra, dá muito trabalho. E é meio ineficaz, nunca dá pra dizer tudo o que.
Caiu a linha. Este Senhor (ou será uma Moça?) é implacável, não deu nem tempo de negociar uma vantagenzinha pessoal, uns milhões na Suíça, um alto cargo comissionado vitalício ou pelo menos um fim de semana com o Richard Gere no Tibet (porque eu sou altamente espiritualizada, lembra?). E faltou perguntar do amor verdadeiro, o único assunto que me interessava, na verdade.
Então tá, fica pra próxima – se é que tem uma próxima depois dessa.
Enquanto a Revelação não vem, a angústia permanece, a de saber que todo ser humano sofre e não saber nada pra mudar isso. Nem as quatro nobres verdades, nem os oito nobres caminhos, nem todos os 111 avatares reunidos em egrégrora, nem o sangue de Jesus, nem o Pai Nosso ou Nossa Mãe do Céu, o Nirvana, o Satori, o Ohm, o Um – não foram capazes de eliminar total e permanentemente o sofrimento de uma vida humana sequer.
Eu tenho certeza que o Dalai Lama, entre um e outro êxtase místico, e mesmo sob o inabalável sorriso, no fundo sofre. Pelo exílio, por seu povo, talvez por um amor perdido, que nessas coisas Buda nem sempre ajuda. O Papa, coitado, sofre pra burro, pressões e mazelas várias, sofre da coluna sob o peso da mitra, sofre até atentado. A Gisele Bündchen diz que tem lá suas espinhas e isso dói. Bill Gates tem cara de quem já teve dor de dente, quiçá de corno. Jesus sofreu na cruz e até reclamou “pô, pai, tá doendo de verdade!…”
Então não adianta ter sabedoria, títulos, beleza, dinheiro, nem mesmo luz. Tá aqui, tem que sofrer. Cruzes!
Não vou entender nunca, nem em sete mil vidas.
Semana que vem, começo num grupo de meditação zen-budista. Depois eu conto como foi. Vai um fubazinho aí no seu tacho?

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