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Tchau, árvore

A primeira pessoa pra quem meu filho deu tchau na vida foi uma árvore: uma mangueira centenária do Jardim Botânico. Claro que ele estava imitando a louca da mãe dele, que todo dia cumprimentava a provecta senhora.
Eu a chamo de Grande Mãe; ela tem um tronco barrigudo e é muito macia de abraçar porque é toda coberta de um musguinho verde aveludado. Parece ser a mais antiga das mangueiras do parque. Assim como o Grande Pai, que fica ao lado dela, cujo tronco é mais retilíneo mas também parece muito velho, cheio de grandes verrugas.
Tem árvores do Jardim que são ilustres, como a Sumaúma do Tom Jobim, a Jaqueira do Frei Leandro, a Palma Mater (em cujo lugar já está uma Palma Filia, quiçá neta)… Mas eu tenho meus afetos mais anônimos: um pau-mulato, o maior de todos (calma gente, é uma árvore!). Aliás, encontrei uma foto do Tom Jobim abraçando-o bem aqui. Fica fora da alameda dos paus-mulatos, meio escondido num mato alto atrás do roseiral. Ok, admito que este lenhoso senhor é altamente sugestivo…
Bom, também temos atrações para crianças, como a mangueira-balanço, que tem um galho que encosta levemente no chão, como se pode ver na foto, e balança (o que só se pode perceber ao vivo), tendo sido usada e abusada por várias gerações desde que eu me entendo por gente, e sempre demonstrando uma paciência ímpar, de que só uma árvore velha é capaz, conjugada a uma flexibilidade de dar inveja a muita moçoila. Tem também a “Cidade dos duendes”, uma árvore na beira do Lago, cujas raízes, que emergem da terra como estalagmites, criam uma pequena “aldeia” onde essas criaturinhas se escondem durante o dia, saindo à noite para cantar e dançar à beira d’água (como já expliquei a meu filho, que é muito curioso e quase flagrou uma fadinha distraída). E também tem uma árvore ôca onde mora uma família de gnomos. São muitas as árvores dignas de nota, prometo que um dia faço um inventário completo.
Entre as minhas prediletas, desde pequena, estão os Jambeiros. Primeiro, por razões óbvias: a fartura de seus deliciosos jambos, no verão. Era proibido sair do parque levando as frutas, não que nunca tenhamos levado algumas enfiadas nos bolsos mas, no geral, tínhamos que comê-las ali mesmo. As mais doces eram sempre as bicadas de passarinho, então mordíamos do outro lado.
Mas na floração os jambeiros também ficam lindos e, ao final, deixam no chão um tapete de pétalas de um cor-de-rosa intenso. Além de tudo, no canteiro bem em frente a eles fica a estátua de Xoxipilli, divindade asteca da fertilidade, o Deus das Flores. Alguém sempre enfeita suas mãos com flores, eu mesma já fiz isso várias vezes (mas sempre com flores que encontro pelo chão, em geral dos próprios jambeiros; jamais arrancaria uma flor viva para isso, penso que Xoxipilli ficaria bravo).
Pois bem, há alguns dias, ao passar pela alameda dos jambeiros, tive um choque: os quatro jambeiros que havia ali, mais um que estava um pouco adiante, morreram subitamente. Meu irmão, passando dias depois, viu um deles ser derrubado pelos funcionários, quando soube inclusive, por uma botânica que supervisionava os trabalhos, a idade do indivíduo: 182 anos. No entanto a doença que os vitimou permanece um mistério até para os técnicos. Passando por lá no dia seguinte, vi o velho amigo estendido, inerte, na beira do caminho, já fatiado para remoção. Foi muito triste.
Este ano as crianças não comerão jambos do Jardim Botânico, no verão. Xoxipilli não terá mais flores de um rosa intenso nas mãos. Não posso deixar de pensar que a morte súbita e coletiva dos jambeiros é um sinal preocupante da natureza. As árvores escutam melhor que nós, devíamos prestar-lhes mais atenção: alguma coisa parece fora da ordem.
Tchau, árvores. Que Deus as tenha.
(agradecimentos a meu irmão Claudio que, além de testemunha ocular do óbito, é cúmplice na minha dor e ajudou a achar alguns links para este post)

15 Responses to “Tchau, árvore”

  1. Flavio Prada says:

    Christiana, eu que sou um fauno, comecei a ler fascinado esse post floral. Mas a conclusão depois é a mesmo. Algo de muito errado está acontecendo. O pior é que tem muita gente alertando para isso mas a pesquisa nesse sentido é pouca e desacreditada. Se prefere pesquisar o clima de marte e ca estamos nos sem saber prever mais nada. O problema é que ninguém quer abandonar habitos de consumo que são a raiz desse problema. Veja so quem quer realmente saber de desenvolvimento sustentado e perceba que as coisas não tendem a melhorar não. Nem os santuários como o Jardim Botanico do Rio estarão livres dos problemas. E pensar que não muitos anos atrás, quase todo lugar era um santuário.

  2. Que post lindo, Chris! olha, eu nao entendo nada do assunto, mas acho o maximo as pessoas que tem essa conexao. Voce assiste aquele programa da Regina Case sobre arvores??? um beijao!

  3. Pinto says:

    Fotinhas pra matar a gente de saudade, né?

  4. Cynthia says:

    Amei o post, tanto que, mesmo sendo uma pessoa muito visual, nem fui atrás dos links e fotos. Sua descrição me fez ver cada uma delas com perfeição, sem precisar de provas. :o*

  5. palomadawn says:

    O ano de 1935, em que ganhamos a estátua do deus da fertilidade do México, foi o mesmo ano em que nasceu Mercedes Sosa. E o Luciano Pavarotti. E em que morreu Fernando Pessoa. Nhem, nhem, nhem… do jeito que a coisa anda feia, eu queria mais é ter uma monarquia no brasilzinho: quem sabe eles teriam mais amor a tudo que é nosso? Sei lá… pelo menos seria chiquérrimo fazer um convescote real, debaixo das mangueiras reais…

  6. Leila says:

    Chris, que pena a morte dos jambeiros!
    Não sei se você lembra, mas pelo menos quando eu era criança tinha uma árvore no Jardim Botânico com uma espécie de cipó, em que eu e meus irmãos adorávamos nos balançar (tenho até foto segurando).
    Abraço,

  7. Christiana, que texto lindo! Sabe que um dos dias mais felizes da minha vida foi quando plantei minha 1ª árvore? Eu era criança, não tinha mais que oito anos, e participei de um mutirão com alunos e professores do meu colégio à época, o qual tinha um enorme terreno contíguo a ele e meio abandonado. A diretoria decidiu transformar aquilo em uma praça para os próprios alunos e moradores do bairro, o que teve a anuência imediata de todos os pais. Mas a grana era curta (colégio municipal) e então foi tudo na base do voluntariado mesmo.
    Em dois finais de semana, centenas de crianças,pais e professores carpiram tudo, plantaram árvores e até fizeram balanças de pneus em árvores já existentes ali. Chris, hoje, passados vinte anos, a praça continua lá, linda (e provavelmente ainda mantida pelo colégio e moradores, pois a prefeitura é extremamente omissa em muitos bairros mais periféricos) e me dá uma saudade danada daqueles dias e das árvores que plantei. Eu provavelmente nem tinha noção do quanto aquele gesto era importante. Depois disso plantei mais algumas aqui na minha região, desta vez já muito mais cônscia do significado disso.
    Eu AMO estas nossas ancestrais amigas. Apesar de morar numa região não muito central e com alguns problemas de transporte, um dos motivos que me prende aqui é ela ser uma das áreas mais arborizadas de São Paulo. A probabilidade que eu continue por aqui, principalmente pensando a médio/longo prazo e no futuro do meu rebento que certamente um dia virá, é enorme.
    Bem, pra variar, escrevo até cansar. :)
    Um beijo.

  8. Clarice says:

    ;O Como, só perceberam a doença na fase terminal? Isto é tão triste quanto teu post é lindo e eu vou cutucar todos os links, ah se vou!
    Não faz muitos anos, num parque florestal daqui, por falta de manutenção preventiva, uma criança e seu pai morreram com a queda de árvores durante uma súbita ventania.
    Como é de praxe, depois do desastre há providências e agora temos manutençao efetiva. Quando alguma árvore é cortada, nós, que como você, sofremos por elas, pelo menos temos certeza de que é para proteger os amantes do verde que passeiam por lá e que nada iria curá-las.
    Continue dizendo bom dia e ciao para elas junto de seu pimpolho. Isto faz um bem!
    Beijão.

  9. Ah sim, Christiana, esqueci de avisar…eu respondi àquele seu comentário feito ontem, sobre as dinâmicas de grupo e tal. Só pra você saber… :)
    Um beijo.

  10. Augusto dos Anjos says:

    As árvores, meu filho, não têm alma!
    E esta árvore me serve de empecilho…
    É preciso cortá-la, pois, meu filho,
    Para que eu tenha uma velhice calma!
    — Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
    Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
    Deus pôs almas nos cedros… no junquilho…
    Esta árvore, meu pai, possui minh’alma!…
    — Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
    “Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”
    E quando a árvore, olhando a pátria serra,
    Caiu aos golpes do machado bronco,
    O moço triste se abraçou com o tronco
    E nunca mais se levantou da terra!

  11. christiana says:

    Olá, Grande Pai! Quer dizer que você agora é médium, porta-voz da “sociedade dos poetas mortos”? Lindo esse soneto do Augusto dos Anjos, não lembrava. Adorei. É muito apropriado para estes dias tristes em que a “pátria serra” está derrubando a floresta que deveria ser de nossos filhos.
    Clarice, a doença dos jambeiros, ao que parece, foi fulminante, acho que não havia mais nada a fazer. Não questiono a necessidade de cortá-lo, sei que uma árvore morta torna-se um risco potencial, mas que ver a cena é triste, ah, isso é. Você sabe que eu lembro desse caso da morte do pai e do filhinho num parque, que ocorreu aí em Florianópolis? Li o tristíssimo relato da mãe/esposa sobrevivente numa revista, meu filho era recém-nascido, e eu me coloquei totalmente no lugar dela. Nunca chorei tanto na minha vida…
    Patrícia, pode escrever à vontade por aqui, é um prazer ler seus comentários. Que história ótima, um excelente exemplo de que cada um de nós pode fazer sua pequena parte para tornar esse mundo mais bonito. Que sorte você tem de morar numa área arborizada aí de SP, qual é o bairro? Eu também me considero altamente privilegiada por morar num lugar tão especial quanto o Horto, dando frente para o Jardim Botânico e fundos para a Floresta da Tijuca. Até o clima aqui é diferente do resto da cidade, sempre alguns graus mais friozinho. Eu também nasci e me criei aqui, depois fui morar em outro lugar quando casei, mas dei um jeito de voltar a morar no bairro quando fui ter o Leo, pra poder dar ao meu filho a mesma qualidade de vida e de contato com a natureza que eu tive na minha infância.
    Ih, eu também falo sem parar, se der corda….
    (Quanto à sua resposta ao meu comentário no seu excelente post, já vi, só não falei mais porque dei de cara com este outro post HILÁRIO sobre os baixinhos e estou até agora passando mal de rir, eu que sempre fui pequena, praticamente um bonsai, a vida toda fui a menor da turma e só não sou a menor da família porque minha irmã conseguiu me superar, ou melhor, ficar abaixo de mim, no grau de nanismo. Isso era pra ser um parêntesis.)
    Leila, claro que eu lembro totalmente dessa árvore de cipó que também formava um balanço, eu também amava! O cipó ainda está lá, mas acho que não tem mais aquela alça… taí, vou lá olhar e te digo como ele anda. Sabe que é capaz da gente já ter brincado juntas no Jardim Botânico? hehehe, já pensou? Uma vez descobri que uma amiga, que eu pensava conhecer há apenas alguns anos, na verdade tinha estudado comigo no jardim da infância. Achamos foto de nós duas, mínimas, vestidas de caipira, muito hilário.
    Paloma, eu adoro a estátua mexicana, a Mercedes Sosa, o Pavarotti… o ano de 35 foi uma grande safra! Pena que nos levou o Fernando Pessoa. E, quanto à monarquia, temos que admitir que o Jardim Botânico foi uma bela obra da gestão de D. João VI.
    Cynthia, que bom que você gostou mas, puxa vida, veja as fotos! Afinal, deu um certo trabalhinho pesquisar todos esses links… ;o)
    Pinto, fotinhas pra estimular mas, saudades suas e de sua família, só podemos matar ao vivo!
    Denise, sei do programa da Regina Casé mas nunca vi. Acho que alguns ela gravou lá mesmo no Jardim, que ela morava numa casinha (aliás, maneiríssima) juntinho à entrada do parque e era figurinha fácil por ali.
    Flavio, nem os santuários estão imunes ao desequilíbrio generalizado. Para onde irão os santos, os animais, as crianças, as árvores…? Hoje morreu a panda mais velha do mundo, Mei-Mei. Tinha a minha idade, 36 anos, uma eternidade para um panda. Ainda assim, é triste. Tchau, Mei-Mei.
    Beijos a todos.

  12. Christiana, que bom que você achou aquele relato hilário. Até eu rio um pouco das besteiras que escrevo. :)
    Ah, eu moro no Butantã, na região sudoeste de Sampa, mas já é quase divisa com outra cidade (Taboão da Serra). Tem realmente muita, mas muuita área verde por aqui. :)
    E ‘Bonsai’ foi óóóótimo! Posso usar de vez em quando? rsrs
    Um beijo e ótimo fim-de-semana pra família toda.

  13. Leila says:

    Chris, quem sabe… Mas eu era MUITO tímida, bicho-do-mato, para fazer novas amizades em parquinhos ou na praia; nessas saídas, ficava só com meus irmãos mesmo…

  14. Lenora says:

    Chris querida: Quanta saudade! Cada uma das árvores do Jd eram minhas amigas. Passava horas sob a jaqueira do Frei Lendro, sentada naquela pedra meditando sob tudo que ela já terá visto nos seus quase 300 anos de vida. Quanta gente já passou sob sua copa,e desapareceu; quanta coisa terá visto, quantas histórias teria para contar. Ficava filosofando sobre a morte da Palma Mater fulminada por um raio depois de mais de 100 anos de vida. Sua agonia ao ser consumida. Sua filha lá está, tentando dar continuidade à linhagem. Tenho gravadas na mente cada uma delas, cada detalhe que nos uniu. Cada espaço. cada alameda.
    Acho tudo misterioso, para onde vão as árvores mortas, suas lembranças, suas experiencias, acho que como nós ficam para sempre integradas no universo paralelo das emoções, dos amores que inspirou nas sensações que provocou, e nas almas que tocou. Lamento a morte dos jambeiros, mas quando estava ai, ví outras tambem morrerem como num alerta para avisar que tudo morre por mais que tentemos fingir que não é assim. Bjs saudosos e uma lágrima pelas árvores mortas, representantes de um passado tambem morto.

  15. christiana says:

    Lenora do meu coração, claro que lembrei muito de você ao escrever este post, de nossos longos papos sentados naqueles bancos verdes junto à mangueira-balanço… como aquelas árvores velhas ajudavam a aclarar nossas idéias!… Saudades de passear com você no Jardim, apareça!
    Leila, você era tímida, é? Ihhh, eu era super despachada, muito mais que hoje, falava com todo mundo… capaz de eu ter ficado sua amicíssima, mesmo sem você me dar a menor bola :o)
    Patrícia, bom saber que existe um lugar assim em São Paulo, pro caso de eu ter que morar aí algum dia… acho que não me importaria de morar um pouco mais longe para ter o luxo de respirar ar puro.
    Beijos.

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