Me interesso mais por um afluente do que pelo rio principal. Prefiro a Gnose ao Cristianismo, a Cabala ao Judaísmo, a Parapsicologia à Psicologia. Estudo há muitos anos estados alterados de consciência; e o que é percebido nestes estados me parece mais próximo da verdade do que a avaliação da realidade feita pela mente lógica que utilizamos no dia-a-dia.
Assim, não é de admirar que tenha dado com os costados em algumas Escolas Iniciáticas; que eram chamadas, por quem nunca as freqüentou, de Colégios de Magos. O que virou uma piada, depois de Harry Potter.
A morte é uma das iniciações. E, por iniciação, entenda-se dar um outro sentido, que não o profano, a algumas palavras. Compreendê-las de outra maneira.
A propósito do Dia de Finados, um trecho do meu livro O Espelho da Lua:
A morte é a única certeza que temos só não sabemos em que data e de que maneira vamos encontrá-la , no entanto é um acontecimento para o qual não há preparação, não gostamos de falar da indesejada. Vamos esbarrar, através da vida, em gente que vai dar palpites e tentar nos ensinar como viver; porém ninguém vai nos ensinar como morrer. Ninguém sabe.
A vida é transformação contínua, nada na vida é definitivo, mas a morte é: é o fim; e fim significa destino. Portanto, é para lá que todos vamos querendo ou não.
Desde o começo dos tempos em qualquer cultura os indivíduos procuraram um princípio infinito além dos seus corpos mortais e se indagaram sobre a vida eterna: o que poderia existir depois da morte? Se a vida que vivemos é finita e a verdadeira vida está além da morte, para saber o que é a vida verdadeira é preciso primeiro enfrentar a morte. As iniciações por um rito de morte estão presentes desde as culturas arcaicas até os dias de hoje.
A descida do iniciado aos infernos uma viagem em que aos poucos tudo lhe é retirado é a condição para poder ressuscitar e responder à pergunta: Quem sou eu? Até Cristo fez esta viagem.
Tive bons instrutores enquanto me iniciava e eles diziam que, exatamente por serem bons instrutores, não iam submeter nenhum discípulo a rituais de morte.
Contavam que, antigamente, os iniciados eram conduzidos a cavernas ou enterrados vivos numa tumba escura. Deveriam sentir a presença da morte e correr o risco real de perder suas vidas. Assim conheceriam o suficiente sobre si mesmos para identificar o eu verdadeiro, aquele que se recusa a morrer porque sabe que é eterno. Só então os discípulos em busca de sabedoria poderiam ganhar seu verdadeiro nome, que é o nome que devemos dar ao eu eterno. O nome mundano a morte leva quando passa.
Meu Instrutor afirmava que, nos tempos modernos, o ritual da morte é feito pela vida: ninguém vai a sério para o fundo de uma caverna ou para dentro de um caixão sabe que aquilo é só um ritual, que não corre o risco de morrer de verdade. Então, é melhor não fazer; ninguém sai transformado de um simples ritual. Mas a vida e o sofrimento vão nos matando aos poucos, vão levando embora partes de nós mesmos que considerávamos imorredouras:
Preste atenção ao que a vida e o tempo não conseguem exterminar ele recomendava. Este é o verdadeiro eu.
Este eu verdadeiro não é o mesmo para todas as pessoas, como a morte não é a mesma. A morte mata diferentemente cada um de nós, tira de nós diferentes pedaços e o que sobra também é diferente: muitos eus conviverão na eternidade, bons e maus. A uns resta o amor, a outros o ódio. Vida e morte, no fundo, têm papéis iguais são transformadoras.
Mas existe alguém dentro de nós que a morte não leva e a vida não modifica. E só depois de termos passado por uma e por outra, podemos ganhar nosso nome iniciático: aquele que é secreto e ninguém mais deve saber; que não devemos dizer em voz alta porque é a palavra que nomeia o que temos de eterno, tão eterno quanto Deus. E o nome de Deus não pode ser dito.
Quem quer que tenha visto a morte de frente, reconhece-a e se lembra do encontro para sempre. Isto não quer dizer enfrentar situações de perigo; às vezes passamos por situações perigosíssimas, imaginamos que ela pode estar por perto mas não a vemos. No dia em que a encontramos, quando batemos nosso olho no seu olho, temos a certeza absoluta de quem é ela: é mais poderosa do que qualquer de nós e sabemos que vai levar tudo, não adianta espernear.
Mas ela não é todo-poderosa. Mesmo com a nossa insignificância e a nossa miséria de recursos, algo em nós ela vai respeitar.
Não é o corpo físico, este ela destrói rindo. E mostra logo que vai levar também tudo que a nossa vaidade criou; anuncia que as nossas obras vão durar pouco, ficam por aqui algum tempo e depois ela também leva.
O que restou, de toda a humanidade que viveu antes de nós? As pirâmides, alguns templos, umas poucas idéias e um ou outro livro. Até a música que nos chegou é recente: não sabemos como era a música que se fazia há dois ou três mil anos. Tudo o que pudermos criar vai morrer.
Mas alguém dentro de nós a enfrenta, quando ela aparece. Alguém dentro de nós cresce de repente e diz: Eu não vou morrer; e comigo você pode lutar mas não vai vencer.
Quando este eu nasce a morte se retira ela é velha como o mundo e sabe quando é hora de ir embora. Depois que ela passa só resta este eu: o resto ela leva.
Mas este eu é tudo que importa. É ele que recebe um novo nome.
Para os iniciados, a Morte é um batismo.
Hmmmm… Deu saudades dos tempos em que eu tinha o privilégio de semanal de falar com a autora…
Ontem, pra não fugir à regra em dia de Finados, choveram cântaros. Dormi MUITO, aproveitando o feriado e o clima propício.
Reflexão profunda que me ocorreu sobre a morte: morrer deve ser como dormir, com a vantagem de que você não precisa levantar pra fazer xixi.
À luz das explicações de Mâmi, concluo que o xixi não é meu eu verdadeiro, já a preguiça, esta sim pode ser chamada de EU.
A morte é dorminhoca mas não tem bexiga, a felizarda. Não vejo a hora de encontrá-la para poder, enfim, ter uma boa noite de sono.
Será que estamos mesmo vivos? Será que a morte não é uma companheira fiel que nos acompanha todos os dias e, finalmente, decide nos dar um descanso. O primeiro parágrafo sou eu. Só não sei se estar em contato com a verdade, através de um estado de consciência alterado, é bom negócio, porque no fim, a verdade tem uma face muito feia, muito desagradável para quem foi codificado a ver este mundo como ele, afinal de contas, não é.
Dr. P.,
Mais saudosa fico eu, quando os alunos se vão para outras plagas, em busca do ouro.
É a vida, diriam uns.
E eu fico esperando o eterno retorno que, segundo outros, sempre acontece.
Saudades, querido!!
Christiana,
Xixi não combina com iniciações. Já ouviu falar de algum iluminado que fizesse xixi?
Li tua msg no blogue-esquerda e vim te visitar pela primeira vez, não conhecia teu blogue ainda.
A morte é algo que não me incomoda, pelo contrário, ela me parece uma bênção. A idéia de viver infinitamente me cansa, o que poderíamos fazer com tanto tempo num mundo como o nosso?? Sou daquelas que acreditam que quem bem vive, não se importa com a morte. O meu bemquerer tem pavor da morte e se apavora com a possibilidade da minha ausência eterna. Acho graça e retruco, se ele morrer primeiro, ficarei com muitas saudades, mas feliz por ter podido conviver e viver intensamente nossos momentos juntos.
Abração!
Feutmann,
Para os iluminados (aqueles a quem algo foi revelado), nosso mundo não é o verdadeiro mundo. Aqui, vivemos Maya (a pura ilusão). Para estes mesmos iluminados, só viveremos depois de passar pelo que chamamos Morte. Segundo eles, mortos estamos nós, que cultuamos tudo que é perecível, a começar pelo corpo. Quanto mais uma cultura reverencia o corpo, mais distanciada está da vida verdadeira.
E a verdade não é feia nem bonita, Feutmann, apenas é. A mentira é que precisa se cercar de atributos para ser crível.
Volte mais vezes. Um abraço!
Claudia (gosto do nome, eu tenho um filho Claudio),
Você conhece um conto do Borges, Os Imortais?
Está no melhor livro dele (O Aleph). Mas talvez seja possível encontrar na Internet, em alguma péssima tradução. Justifica o que você pensa.
Como conhecemos a Vida, a Morte é um castigo. Mas, se abolíssemos a Morte, castigo seria a vida eterna. Diziam os antigos que morre bem quem viveu bem.
E diga ao seu amado que não existe uma ausência eterna. A ausência existe no nosso mundo, pateticamente finito. No mundo eterno, tudo é encontro.
E volte mais vezes. Você é querida.
Muito bem posto, like always! Parabéns Super-nóvoa.
Mas…. respeito tudo, admiro tudo, mas não creio em nada, nada, nada! Sou assim, ó: um toco preto em corpo crespo, um mafagafo, um zero à esquerda, um ninho de cuco. Beijos para toda a Super Family.
E que até a chegada da Luz tenhamos,todos nós, tempo de realizar nosso casamento alquímico. É um assunto tão cheio de afluentes e para muitas madrugadas, bruxa! Às vezes observo o que está à minha volta(estará mesmo?) e digo a mim mesma que isto é o bastante, pois renasço todos os dias, mas…
Grande beijo. É sempre muito bom ler você.
Dalva,
Não precisamos acreditar. A Vida e a Morte nos abordam de surpresa, em alguma esquina, independentes das crenças.
Mas o poeta é sempre um gerador de luz. É uma estrela, Dalva. E parece que a luz tem vida eterna.
Clarice, querida,
Acredito nestas madrugadas. Ou aqui ou aí. Mas ainda veremos juntas um dia amanhecer, jogando conversa fora sobre Alquimia e outras sandices fora de moda.
Beijo!!!
Existe algum e-mail que possa ser usado para nos correspondermos?
Existe algum parentesco entre nós?
Um abraço.
Luiz
Estou vivo ou seja sobre a terra e debaixo do ceu dentro deste cenário devo executar certas tarefas para que pensar na morte? ou em outro lugar que não esteja entre o ceu e a terra? quando lá chegar se existir vou fazer o que tiver que ser feito, se é que tem que ser feito, da melhor maneira possivel.
Aproveite que vc esta entre o ceu e a terra e tente melhorar o ambiente esta tal de HUMANIDADE
Mestra querida,
Saudades enormes! Bom aparecer sem avisar e ler uma pouco da sua sabedoria; semana que vem estaremos no Rio e é imprescindÃvel vê-la pessoalmente: novidades e sempre aqueles ventos das Antunes, cheios de transformações, rs…
Beijos e saudades,
K