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Como carioca, sou vítima freqüente de assaltos. Como fumante, mais ainda. Mulher parada em sinal, com vidros abertos, pensando na morte da bezerra, é assalto certo. E me parece que semáforos são convites para meditação profunda – não sou só eu que entro em alfa – porque, nestes longos anos de assaltada, nunca qualquer motorista das cercanias percebeu o que se passava. Ficamos todos meditabundos diante da luz vermelha.
Mas tenho cá a minha teoria a respeito de assaltos. Para que o ato se consuma, um requisito é indispensável: o assaltante tem que comunicar de maneira eficaz que é assaltante e a vítima tem que entender com rapidez que está sendo assaltada. Se este roteiro inicial comportar uma falha, os neurônios de ambos deverão se reorganizar para acionar o plano B e, neste meio-tempo, o sinal abre. Embananar a comunicação é o primeiro procedimento aconselhado aos seguidores da minha teoria.
Já me livrei de alguns assaltos perguntando várias vezes em inglês o que é que o meliante queria e o tom de interrogação é fundamental para que ele perceba boa-vontade em fazer contato. Enquanto sua mente se desvia para temas paralelos – Hei, não fala minha língua, não? – ou então – Tem dólar? – passa-se um tempo precioso. No que ouvir a buzinada do carro de trás, você está salvo. O sinal abriu.
Durante as eleições, no horário da propaganda gratuita, de vez em quando aparecia uma mocinha que ficava num canto da tela traduzindo o que os candidatos diziam em linguagem de surdos. Eu gostava da mocinha, aprendi alguns gestos, e experimentei uma vez. Não aconselho. O grandão ficou penalizado, disse foi mal, minha irmã também é surda, mas a probabilidade de um parente surdo é pequena e o espaço exíguo entre a porta e o volante impede um gestual convincente, prefira o inglês. Ou o esloveno. Espanhol, nunca. Ele vai entender e aí não tem jeito: vocês estarão se comunicando.
Uma amiga também bastante assaltada tem pânico radical. Se um homem com cara de mau bate no seu vidro, ela nem pergunta se quer esmola ou informação, vai logo entregando a bolsa com carteira, documentos, celular e chave de casa – diz que fica nervosa e não consegue negociar com bandido. Acho muito feio negociar com polícia, com bandido não, mas ela tem certa razão porque é loura de olhos azuis. De acordo com a consistente teoria, no imaginário popular mulheres louras são mais abastadas do que morenas, as gordas mais do que as magras, um dia explico melhor, não dá para ensinar tudo num dia só.
Se qualquer ato ou objeto podem ser cognoscíveis, desde que examinados numa sucessão de raciocínios corretos, há que pensar sobre ladrões para se obter algum conhecimento sobre eles. E aí reside a dificuldade em divulgar a minha teoria: as pessoas têm pavor de ladrões, não querem nem ouvir falar. Me interrompem, com a maior desfaçatez, e preferem se proteger com vidros escuros, fitinhas do Senhor do Bonfim ou o pentagrama de Baphomet, dependendo do credo.
Tive medo de escuro, como toda criança, principalmente quando minha mãe fechava a porta do quarto. E era nos dias de quarto fechado que ouvia passos no corredor. Começava a suar, cobria a cabeça, e invariavelmente rezava: – Tomara que seja ladrão. – Ainda hoje, se tiver que escolher o que encontrar à meia-noite numa estrada deserta, prefiro alguém deste mundo. O que não quer dizer que chame o ladrão, como o Chico: é mais ou menos como cobra, não gosto mas mantenho a calma e consigo pensar em soluções, medo irracional só de cachorro e de fantasma.
O preceito número 1 é evitar a comunicação lógica de qualquer maneira: pela lógica, assaltante manda e assaltado obedece.
Mas, às vezes, isso não é possível. Quando você está com o jornal dobrado no banco do carona e o som ligado, não dá para fingir que é surdo ou não fala português. Nunca subestime o assaltante, parta para o preceito número 2: Comunique-se emocionalmente.
Veja bem, a comunicação só pode se estabelecer em três níveis: ou é física, ou emocional ou intelectual. Nem pense em comunicação física com ladrão, você vai se dar mal ou acabar desmoralizado. Uma vez corri atrás de um, estava com muita raiva, mas ladrão não usa salto alto, dispara na sua frente, você vai desistir e voltar mancando para o carro que terá ficado aberto no meio da rua, de bandeja para outros ladrões. E, se conseguir pegá-lo, também não vai saber direito o que fazer com ele. Melhor se concentrar na comunicação emocional:
Coloque uma cara neutra, não tem sentido ficar rindo para o ladrão, e faça perguntas. É uma peça que não dura mais do que um minuto mas às vezes um minuto é muito tempo. Um bom começo é perguntar por que ele está assaltando logo você, a questão do arbítrio ou do acaso provoca reflexão em qualquer pessoa. Se a escolha foi aleatória, ofereça o que tiver à mão, cigarros, balas, lenços de papel e convença-o a assaltar o carro de trás. Garanto que dá certo.
Se foi proposital – se da longa fila de carros parados ele escolheu exatamente o seu – mostre a ele que foi a mão de Deus. Tire da carteira o jogo da Sena e deixe claro que a sua metade do prêmio deverá ser doada a um orfanato. Todo ladrão é um jogador e ele também aceitará a nota de 5 que você guarda desde o Plano Real porque uma cigana garantiu que ali estavam os números da fortuna. Não esqueça de reiterar que metade do prêmio lhe pertence e o compromisso com as criancinhas órfãs. Enquanto isso, o sinal fica verde.
Como a boa filosofia considera que teoria e prática guardam vínculo indissolúvel, venho ao longo de anos e de assaltos elaborando a consistente teoria da qual vos dou apenas conhecimento superficial. O assalto de hoje acrescentou dados novos, reflexos do tempo em que vivemos:
(Cena única, em frente ao clube Piraquê, na agulha que conduz ao Jardim Botânico)
– Passa a bolsa ou vai levar muita porrada! (Cabeça toda enfiada na janela do carro)
– Calma, meu filho. Vem cá, por quê que você está me assaltando? (Ameaçou com porrada, não está armado. Se eu subisse o vidro podia guilhotinar, de baixo para cima. Esse cara fede)
– Tô precisando de muito dinheiro.
– Tá doente?
– Não. É minha mulher.
– O quê que ela tem? É grave?
– Tá tuberculosa.
– É verdade, isso? (Putz! Acabei de comprar o antibiótico da minha gripe de Hong Kong. Mais de 50 reais. Coitado do cara.)
– Verdade.
– Olha, vou te dar tudo que eu tenho. (Vou mesmo) É que ninguém anda mais com dinheiro por causa dos assaltos, você sabe. Tenho 30 reais.
– Não tá escondendo nada?
– Tô não. Só saio com dinheiro do estacionamento. Hoje peguei mais 20 pra comprar um pacote de cigarros. Você fuma?
– Eu não.
– E sua mulher?
– Já parou.
– É. Tuberculose é uma droga. Você tá desempregado? Posso ver se te arranjo um emprego. (Ganhando tempo mas quem sabe? Coitado do cara.)
– Não quero ser gari, não.
– Melhor ser gari do que assaltar, cara. Você ainda acaba preso e vai ser pior.
– Vem cá. A madame não me arranjava nada no Judiciário, não?
(Pano rapidíssimo porque o sinal abriu)
PS – O referido É verdade e dou fé. Aconteceu hoje.
PS para Dr. P. – Como Marte era o mais burro dos olímpicos, quando ele ataca tudo é possível, febre, assalto, topadas, menos a possibilidade de dizer algo inteligente. Explica de novo o texto improvisado. E por que não acontece comigo?

One Response to “A consistente teoria dos assaltos”

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