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Jingle Bells

Pois é, é Natal mais uma vez – surpreendentemente – embora caia sempre – monotonamente – no mês de Dezembro. O ano voou? Voou. Ficamos todos um ano mais velhos e não sei como isso acontece com tanta rapidez, minha mãe levou muito mais tempo para chegar à minha idade e, ainda ontem, eu tinha a idade dos filhos. Uma teoria, não matemática, afirma que o tempo está acelerando e acredito piamente nela.
Mas não quero falar do Tempo – fica para a próxima coluna – quero falar de presentes porque, afinal, Papai Noel existe.
Normalmente, dou livros de presente. Já me disseram que é o presente mais fácil de escolher e todo mundo sabe que detesto bater perna em shoppings. Não é verdade. Até demoro bastante na escolha, sento no chão, espalho pilhas ao meu redor e leio muitas páginas dos livros que vou comprar. É que consigo decidir, com boa margem de acerto, se o livro é a cara do presenteado.
Já repararam nas vendedoras de shoppings? Você escolhe uma blusa, ela simula um orgasmo e diz, arfando: “- É a sua cara!” – Quando compro qualquer presente, elas costumam garantir, com ar bíblico: “- Ah! Com certeza é a cara dele!” – Ou dela. Nunca fico tão certa. Na verdade, não sei, “com certeza”, se calcinhas, cuecas, meias ou gravatas têm a cara das pessoas que amo. Também acho muito esquisito presentear com calcinhas, cuecas, meias, gravatas, carros ou hidroaviões. São bens personalíssimos, cada um deve escolher o seu, e não passam de mão em mão. Já o livro, não. Meus amigos conseguem ter cara de livro. Ou os livros conseguem ter a cara dos amigos. E ainda são emprestados, roubados, doados, usados por várias pessoas. Minha alma socialista gosta disso, sem dúvida.
E, como tenho prazer em dá-los, também me encanta recebê-los. Ganhei, ontem, um livro do meu amigo Domício Proença, professor de Literatura e Língua Portuguesa – dei risadas e divido com vocês. Se fossem calcinhas, estariam na gaveta e seriam propriedade privada.
Domício começa lembrando que “ortoepia” – orthos, correto + épos, significa linguagem ou estilo corretos. Por oposição à “cacoepia”, em que ao citado épos se junta kakós (mau, imperfeito). “Cacoepia” é a linguagem ruim, que deve ser evitada. Em matéria de linguagem, sempre prefira o “orto” ao “caco” e isto não é uma piadinha interna, está lá, no Domício.
Devemos anunciar que vamos ao “aeroporto” (e não areoporto) e, dependendo das condições “meteorológicas” (e não metereológicas), viajaremos a Goiás. Devemos também esclarecer que só levaremos “bugigangas” e nunca bugingangas. Podemos, durante a viagem, citar um “aforismo” e falar em “cataclismo” mas jamais usá-los com “a” final.
E precisamos sempre ter cuidado com o cacófato, olha ele aí de novo. Dizer que “nunca ganhamos sequer um agradecimento”, já retira o mérito da nossa boa ação.
Se gostar de frutos do mar, peça “caranguejos” sem “i” ao feirante.
E, embora se possa “depredar” (que significa destruir) com uma pedrada, devemos manter o erre no local correto. É esquisito mas é assim.
Ainda que prelados sejam pessoas dignas, nunca saúde um dignatário (horror!) e sim um “dignitário” da Igreja. Se quiser dilapidar seu patrimônio, pode fazê-lo mas, de preferência, com “i”. Só na novela das 8 as pessoas delapidam o que têm.
Ao “exprobrar” o comportamento de alguém, tome coragem e exprobre pra valer – cheio de erres. E – gente! – o inimigo é “figadal”, mesmo. Vem de fígado, órgão que processa a bílis, e não de fidalgo, como um amigo meu pensava: – Apraz-me ter inimigos nobres.
Como é Natal, podemos e devemos dar “mortadela” aos “mendigos”, mas sem nariz entupido e nazalizações equivocadas. Ninguém merece ser mendingo.
E, por fim, não reinvindique nada junto a Papai Noel, ele fará ouvidos de mercador. “Rei vindicatione” (reclamação de coisa) é a origem de toda “reivindicação” correta.
Também é importante conhecermos, com clareza, o significado das palavras.
Canalha vem do italiano “canaglia”, em cuja formação é fácil descobrir o substantivo “cane”. Se não quiser ofender o melhor amigo do homem, use abjeto, cafajeste, escroto, ignóbil, ordinário, etc., etc. E poupe o seu cão de uma aproximação semântica com o canalha.
Comemorar não é comer junto, sinto muito. Logo, bebemorar é uma idiotice. “Memorar” é lembrar e comemorar é “lembrar junto”. Só podemos comemorar com quem divide um passado conosco.
O “extático” se encontra em estado de êxtase. O “estático” fica paradão. Na hora da cantada, um “x” pode fazer toda a diferença.
Fezes? Só no plural. Na sua origem latina, “faeces” significava lama, lodo, elementos impuros. Os romanos chamavam os dias de céu limpo de “dias sem fezes”. Daí para a metaforização, o passo foi curto. “Esgotar um cálice até as fezes” era sorver seu conteúdo até as últimas gotas ou os últimos resíduos. Não recomendo. Nem na prática nem na metáfora. E dizer que alguém é “enfezado” é afirmar que sofre de prisão de ventre. O que gera mau humor.
Para finalizar – como curiosidade – testículo é o diminutivo de “teste”, testemunha. Logo, testículos são pequenas testemunhas. Pode haver algo mais lírico e, ao mesmo tempo, constrangedor?
Bem, este livro foi um dos meus presentes de Natal. Por isso, gosto de dar e receber livros – sempre se pode dividir com alguém. Se quiserem dar um útil e divertido presente, o título é: “Por dentro das palavras da nossa língua portuguesa”. Autor, Domício Proença. Editora, Record. E aqui termina o meu momento Neide Aparecida.
Como não o comprei, não sei o preço. Mas, pelo tamanho, não deve passar de 25 reais. Meu amigo ganhará uns 2,50 por exemplar vendido, um maço de cigarros. Como não fuma – depois desta descarada propaganda e com os 5 leitores que arranjei para ele com esta crônica -, poderá ver Invasões Bárbaras. Se fosse editado pela Candide, teria 20% sobre o preço de capa e já dava para o chope depois do cinema. Escritores do Brasil, uni-vos em torno da Candide!
E dêem livros de presente! É uma atitude socialista. Ou aquariana. Ou uma ação entre amigos. Vocês escolhem.
Apesar do Natal estar chegando a cada ano mais depressa – e esta paranóica assiduidade tirar muito do seu encanto -, feliz Natal para todos vocês!

One Response to “Jingle Bells”

  1. Bia says:

    est� muit bonito.

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