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a baía

 

a água cinzenta

oleosa

espelha

o céu em brasa

em cinquenta

tons de rosa

vermelha

,

na maré rasa

um murmúrio

vago

como um lago

de mercúrio

 

 

 

a árvore

 

ave sã não tomba

,

balança a sombra anciã

do flamboyant

 

 

corpus christi

 

o sopro eterno

desconhece

o corpo morto

,

perdoo o outro

pelo inferno

que me aquece

 

 

 

o sílex

 

descascou

minha fruta

pescou

minha truta

riscou

minha gruta

lascaux

minha pedra

bruta

de quebra

lustrou

deu brilho

,

ladrilho

filho

da luta

 

 

 

o enigma

 

ousar querer

como um deus

saber calar

como um buda

 

o tolo finge

que estuda

 

a esfinge muda

 

o morcego

 

como um anjo cego

pela claridade

de outras alturas

mais amenas

eu me apego

à gravidade

a duras penas

 

 

 

a catedral

 

aqui por exemplo

o vento chora

a noite finda

o dia ainda

demora

a hora é linda

o tempo pára

e ora

agora

é o único templo

onde deus mora

 

 

 

a estátua

 

esculpo meu verso

num tronco de mármore

como quem ausculta

a ordem oculta

do universo quando árvore

 

 

 

o púbis

 

falo dessa

luz que risca

o céu profundo

a faísca

maluca

tonta

que atravessa

o fim do mundo

em cada poro

da tua nuca

até a ponta

do meu osso ilíaco

como um meteoro

cruza o zodíaco

 

 

 

o órion

 

não se espante diante

do silêncio estonteante

das galáxias distantes

 

nada sempre

será tão sério

como era antes

 

o irrelevante mistério

das estrelas errantes

 

o inútil cemitério

de diamantes

 

 

os lusíadas

 

a vida é frágil

como um livro

num naufrágio

 

do ser vivo

nada sobra

nada escapa

 

nem a capa

nem o assunto

 

numa dobra

do universo

acaba o mundo

 

o verso é livre

só a obra

sobrevive

 

 

a sonata

 

tento ser breve

nem tudo deve

ser dito

no momento

e muito menos escrito

em voz alta

nem tudo

que dói é poesia

deixa muda essa falta

básica

até soar um grito

deixa solta essa música

como o vento

quando flauta

,

sendo o sopro agudo

do tempo

em sua sinfonia

sem pauta

 

 

 

a força

 

quando venta a borboleta

sustenta as imensas asas

azuis como um atlas

que aguenta o planeta

sobre as omoplatas

 

 

 

o espinho

 

aqui venho

achar na dor

o que não tenho

 

o desenho

do teu pelo

no meu tato

 

eis o pacto

de amor

entre a pele

e o cacto

 

 

 

a plateia

 

além de mim

só uma mosca

veio

 

assistir ao formidável fim

da tarde fosca

de um dia feio

 

 

o oco

 

retiro

do mundo

o corpo

recolho

meu olho

escuro

na fresta

no meio

da testa

um furo

fundo

como um tiro

 

 

 

o colóquio

 

o espelho partido

em mil partes

em todas duvido

se existo

cogito ergo …

?

eu isto

nego

revido

verdades

seu nome é ego

descartes

é apelido

 

 

 

a pestana

 

folhas de outono

como pálpebras que caem

mortas de sono

 

 

 

 

o boeing

 

há muito já passa

da hora

a demora já dura

uma vida

a procura já cansa

a esperança é uma nave

perdida

a resposta é uma chave

sem porta

a saída é uma rota

de descida

em queda livre

do que se ama

só sobrevive

ao fim de tudo

um celular

que chama

num mar mudo

 

 

penélope

 

desfaço um plano

esgarço um pano

laço a laço

,

disfarço e passo

ano a ano

sol a sós

,

desconto um conto

me engano

e pronto

,

não dou ponto

sem nós

 

 

o ópio

 

só a flor exata

me sacia o olfato

e a falta

desse cheiro

é tão macia

como um travesseiro

que me mata

por asfixia

 

 

 

o poço

 

não posso

dar nome ao troço

que entorna  e não míngua

não há espaço

pra escrita

entre a fome e a saliva

que pinga

não cabe um traço

entre o que sabe

a carne viva

e a forma estrita

da língua

 

 

 

 

a réstia

 

a lua procura

uma fresta estreita

na janela

 

e ali se deita

amarela

como a noite escura

de quem vela

 

 

 

 

 

 

a palavra

 

manifesto mudo

:
se eu pudesse dizer tudo

seria um gesto

 

 

 

 

 

 

 

não sou poeta bissexta

bato ponto boto pingo

nos is da poesia

todo santo dia

de sábado a sexta

feira feriado

no domingo

não me comprometo

viro

pro lado

inspiro

e tiro um soneto

 

 

 

a aurora

 

o dia nasce

tão lindo

e quase

ninguém vê

tudo dormindo

em breu

só eu desperto

e você

nós

a só(i)s

ligados

no espaço aberto

por um segundo

e depois

como se os dois

lados

do mundo

fossem perto

 

 

 

o aqui

 

ser é escasso

,

o tempo vence o espaço

pelo cansaço

 

 

 

o hieróglifo

 

não sou eu que escolho

entrar feito louca

pelos seus poros

;

eu oro por sua boca

eu vejo pelo seu olho

de hórus

 

 

 

o amor

 

 

todo jogo é inócuo

sobre a oca esfera

,

todo fogo se apaga

nenhum som se propaga

só o verbo reverbera

no vácuo

 

 

 

 

essa obscura essência

que te impele

ao erro

é a ausência impura

do meu cheiro

em tua pele

 

 

 

a ave

 

antes que esse assombro

apague uma garça

ou que o sol soçobre

sob o céu de cobre

hei de ter a graça

de uma asa no ombro

mesmo que me sobre

só uma rima pobre

 

 

a ama

 

só a inocência ensina

só o tempo acriança

;

uma anciã que dança

me nina

 

 

 

o relâmpago

 

desfio uma nuvem

de fios de espanto

pra não dormir cedo

não morrer de medo

de frio e de pranto

enquanto o sol não vem

 

 

a pintura

 

triste baía

sua beleza sobrepuja

a água espessa

que o homem suja

 

ó guanabara

sempre linda

outrora clara

uma aquarela

 

agora escura

ao sol fulgura

ainda mais bela

 

óleo sobre tela

 

 

 

a confissão

 

senhor eu pequei

como pude

?

paguei o teu mal

com o pecado mortal

da virtude

.

 

 

o açougue

 

a língua exposta

esfria um beijo

em postas

,

sobre o chão

de azulejo

a carne pouca

,

eu coração

fora da boca

latejo

 

 

 

 

o palheiro

 

 

a escolha é uma agulha preta

na areia amarelo-palha

de uma ampulheta

quebrada

:

o tempo se espalha

e nada

há que perdure

fora

do ponto cego

onde esse prego

do agora

nos pendure

.

 

 

 

 

pois em verdade eu te digo

digas tu o que disseres

as palavras, meu amigo

são mulheres

 

 

 

o tropel

 

cavo intervalos

em tempos novos

como cavalos

pisando em ovos

 

 

a paz

 

resolução de réveillon :

se não tá bom, rebelião!

no mais, shalom

 

 

 

 

 

a sobra

 

 

do natal só se espera

a velha alegria

;

comer a ceia fria

da véspera

 

 

 

 

o acidente

 

tesoura corta

um pedaço

do meu dedo

,

do aço

não tenho medo

sei que arde

tarde ou cedo

me firo

mas prefiro

o ardor da ferida

ao desamor

,

se há sangue há vida

isso é o que importa

só não tem dor

a carne morta

 

 

 

a migração

se eu nem sei onde

fica o longe

até que acabe

 

não olhar pra trás

não basta

 

mais eu nado mais

o horizonte

se afasta

 

converso com o vento

que em verso responde

um lamento lento

 

confesso não entendo

palavra

 

maré brava me cansa

dessa dança

embora linda

 

um dia finda

a travessia

que me cabe

 

quanto mar ainda

só o céu sabe

o escafandro

 

nenhum porto me aparta

desse impróprio recheio

esse furo

,

nenhum ópio

me conforta

,

no escuro tateio

esmurro

,

o outro

é um muro

sem porta

,

esse corpo

ao meio

não me comporta

 

 

 

 

o poente

 

 

o sol sabe se pôr

como um rei

sem atraso

 

só sei que nada sei

do amor

,

deixo ao ocaso

 

 

 

o milagre

 

espero

um sinal

 

pelo sim

pelo now

 

 

 

 

 

 

 

a monção

 

nuvens vermelhas

escorrem prantos

encharcam panos

entornam pântanos

 

cobrem folhas como mantos

escorregam pelas telhas

saltam beiras

correm canos

 

córregos entoam cânticos

nos cantos cheios

de chuva e seivas

de ervas e sândalo

 

lótus derramam cântaros

de águas de cheiro

no meu canteiro

de flor de cânhamo

 

 

 

 

 

o genuíno

 

“a justiça é cega

vale quantos pega”

grita a multidão

e taca pedra

,

tem dia que dói

na fé

e na razão

,

sei que tudo é

como sói

mas não

 

 

 

 

 

 

 

o cartésio

 

principio

logo penso

precipício imenso

 

¨

 

cogito e só venço

o tempo vazio

pelo silêncio

 

 

 

a morada

 

saio da sua cidade

lá fora

é um mar sem fim

,

eu vim

morar na saudade

,

a saudade mora

em mim

 

.

a graça

 

ser é um mistério

lindo e findo e tão sério

que só rindo

 

 

 

a deusa

 

afrodite é afro

acredite

tem os olhos da cor do céu

quando negro

preto leite em seus seios

sulcos sábios e os lábios cheios

de mel

,

um perfil nada grego

 

 

a avoada

 

não sou marilyn nem nada

mas não vim

ao mundo à toa

,

me visto de madrugada

com duas gotas

de cheiro

 

e se a vida é um bueiro

a minha saia

avoa

 

a partida

 

e levo comigo

meu lar

muitas casas

 

é leve meu abrigo

um par de asas

 

 

o perene

 

há um som de fundo

mudo e surdo ao absurdo

de estando tão distante

estanque estar intruso

em cada instante e sendo esquivo estranho

escuso

vencer os mares  morros  murros mortes muros

 

o nó desfeito não desata

o ponto escuro

o rio passa sobre o leito

o amor contudo

 

o mundo muda o tempo todo

mas nem tudo

 

 

 

a boneca

 

cá estou eu

louça e criança

entre seus medos

e outros vidros

 

fosca lembrança

no museu

dos brinquedos esquecidos

 

o travesseiro

 

deixo dormir um poema

inconcluso

dispo-me de penas

que não uso

deito-me apenas

na fronha

fresca a alfazema

descanso

com afinco

no manso abrigo

onde um ganso

longínquo

sonha comigo

 

 

 

o bálsamo

 

pingo cor lírio

na dor branca

dos meus olhos

 

pra ser bem franca

eu uso ósculos

 

fiat lux

 

às cegas um súbito

espasmo faz cócegas

no espaço sólido

 

espero um pássaro

de voo áspero

como um fósforo

 

 

 

 

a malsã

a musa é uma peça rara

moça doida toda dada

a tonta me mete em cada

me deixa de cara apronta

se desnuda me afronta

me acusa se declara

depois eu que pague a conta

o elo

 

tivera o tempo um avesso

onde o fim era o começo

eu entraria de costas

sem respostas nem perguntas

por entre nossas mãos juntas

 

,

 

o prelúdio

 

sabiá já canta

;

a natureza aos pios

seus frios espanta

 

 

 

embarco invento

um dia lindo

a barca vem

e você vindo

a barlavento

quero o bem

que o tempo traz

deixo pra trás

solto dispenso

a sotavento

o sofrimento

como um lenço

 

 

o telescópio

 

com bússola obsoleta

e astrolábio

abro ao céu o grande lábio

boca preta

 

minha luneta adivinha

o meteoro que cometa

galáxias dentro da minha

 

 

a lâmina

 

há luz lá fora

noite não fosse

a hora foi-se e nunca

mais veio

(

a lua adunca

como uma foice

corta o agora

ao meio

 

 

 

 

 

 

 

a fé

 

sou aquela que passa

sorrindo

como quem espera

uma graça

 

agindo

como se soubera

que bendita me queres

entre as mulheres

 

nesse dia lindo

entoo preces

como se dissesses

que estás vindo

 

 

o caderno

 

cada escolha esconde

um lado da folha

até onde

vira

;

me atrevo

engasgo

,

o universo

expira

sem mapa

.

.

.

 

ser vivo é um rasgo

escrevo no verso

da capa

 

 

perséfone

 

calor zera

nua em pelo

hiberno

 

sob o gelo

adormece

a flor da espera

 

todo inferno

aquece

uma primavera

 

 

a luz

 

a insolitude

me arrebata

 

o espaço

me dilata

o ataúde

pelo avesso

 

eis que nasço

 

o que mata

é o começo

 

 

 

o polvo

 

nem os oito trigramas

nem oitenta oráculos

suspendem que eu sinta

os tentáculos

que me prendem

como ventosas

aos três gramas de tinta

em que gozas

 

 

 

a nave

 

quem sabe em marte

eu faça parte

ao menos

 

quem sabe em vênus

eu seja

 

quem sabe veja

ao longe a terra

e pense

 

essa guerra

não me pertence

 

 

o boto

 

,

no fundo nada

há que esconda

:

em sonho o seu mar

me ronda

;

meu sonar ainda sonda

onde anda a sua

onda

 

 

o origami

 

a dor me dobra

com afinco

cego

um vinco

que me obra

eu trinco

quebro

abro

brinco

erro em tudo

eu sou o berro agudo

de um ornitorrinco

mudo

 

 

 

 

 

 

 

a vigilante

 

minha vigília é trocada

viro noite sem remorso

almoço de madrugada

 

canto danço

queimo lenha

que mantenha as estrelas

despertas

(mesmo sem vê-las)

 

nas horas desertas

apanho e espalho

poesia

 

mas é de dia

que eu mais trabalho

 

no turno diurno

eu durmo

sem descanso

 

sonhos estranhos bonitos

pelos insones aflitos

 

 

 

 

o violino

 

do que falo

a melhor parte

é o intervalo

 

o vazio é uma arte

sem bordas

 

não há som no aço

o que vibra é o espaço

entre as cordas

 

,

 

se a palavra demora

o silêncio é a causa

 

a música mora

na pausa

 

 

 

o mandacaru

 

cactos têm flor de mil pétalas

finas

como fitas

 

e espinhos escuros

retos

duros e exatos

 

para espetá-las

tão bonitas como furos

 

o impacto da dor nas retinas

dos insetos

 

 

 

 

a poeta

 

poeta é quem poetiza.

 

fazer gênero,

não precisa.

 

 

 

a lição

 

o bem me bela

o querer me querela

o amar me amarela

 

a morte me mortadela

a metrópole me atropela

o porto me portela

 

o estro me estrela

o mar me mela

o rei me rela

 

o ser me sela

o teu me tela

o eu me ela

 

 

 

 

o instantâneo

 

, o todo por exemplo

do lodo ao lótus

contemplo

 

meu templo é amplo

refúgio de samurai

relógio de sóis

remotos

 

(e os outros e você

vendo mortos

na tv)

 

meu tempo a sós

não se vê não sai

em fotos

 

 

 

o tao

 

à tardinha o mar é zen

um refresco de groselha

um barquinho e mais ninguém

 

segue em paz meu coração

meu caminho é bossa-velha

 

um violão bem baixinho

um chão de areia um banquinho

um ancinho um ancião

 

 

olho dágua

 

água me turva

a vidraça

e já nada vejo

 

e não me protejo

dessa chuva

que nunca passa

 

quando choro

não gotejo

escorro esguicho

 

quando amo incho

e me esparramo

sem socorro

 

não sou dura na queda

qualquer pedra

me perfura

 

o chão me quebra

mas de secura

é que eu não morro

 

 

 

o manacá

 

de uma queda fui ao chão

 

coração aberto um rombo

e essa dor que não estanca

e ainda me toma

 

;

 

o mesmo tombo que fere

me oferece uma flor

roxa

 

:

 

um hematoma à flor da pele

branca da coxa

 

 

 

 

 

 

 

o tritão

 

viria a nado

nadando costas

vestindo nada

 

dar com os costados

à orla da ilha

à enseada

 

onde eu prostrada

em pedras

de joelhos

 

as mãos em concha

postas em ostras

como pétalas

 

pesco as escamas

seu corpo em postas

em chamas

 

pisco nas pregas

das pálpebras

 

no risco da virilha

entre as coxas

 

seus olhos vermelhos

pretos como pérolas

roxas

 

 

 

o dragão

 

uma indiferença tão sincera

fere dilacera o coração

dessa quimera

 

uma fera imensa cai ao chão

a cada vez que você não

me pensa

 

 

 

 

o renitente

 

termino e recomeço

o penúltimo ensaio

da inúmera carta

;

assino e endereço

ao raio que o parta

 

 

 

a maresia

 

a baía é um ventre

pra um barco que entre

onde o vento alisa

 

o poente é uma

brasa que se esfuma

na bruma imprecisa

 

ilha dos amores

traga o sol de alhures

na salgada brisa

 

que um doce perfume

de flor e estrume

molha e fertiliza

 

 

 

o poleiro

 

na praça crianças

escalam os galhos

de árvores idosas

 

lenhosas mansões

de copas frondosas

troncos centenários

 

lar de gerações

de abelhas canários

 

e velhas lembranças

de outrora pirralhos

 

 

 

a roda

 

não há via certa

toda reta torce o rabo

 

nada permanece

tudo desce e sobe

e eu não paro

 

cá onde me acabo

outra orbe me completa

 

como o par de aros

dessa bicicleta

 

 

 

 

vista de perto

não estou bem certa

se existo

 

vista desperta

não sei ao certo

quem sonha

 

visto uma fronha

no meu recheio

disperso

 

um olho risonho

me avista do meio

do verso

 

 

 

o relicário

 

faço listas de afazeres

deixo pistas enganosas

o ensejo de uma prosa

maus escritos de meu punho

desdizeres desconexos

interditos

 

mais protejo meus rascunhos

que meu sexo

 

 

 

 

 

 

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