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o plâncton

 

nada procuro

nágua flutuo

ilha

 

alga que brilha

na superfície do escuro

fluo

 

supérflua maravilha

flor de flúor

 

 

 

 

 

 

 

a dama

 

duas damas na janela

uma é enorme outra é meia

ostra e metade sereia

(ouço a voz dela)

 

uma é mar outra é areia

uma só dorme outra vela

uma se inflama outra gela

o sangue na veia

 

pois eu sou essa e aquela

a moça bela e a feia

as faces sombra e amarela

da lua cheia

 

 

 

 

 

o telhado

 

o céu é bonito

mas não acaba

nas linhas da aba

do meu chapéu

 

o infinito desaba

nas telhas sobre as minhas

sobrancelhas

 

 

 

o náufrago

 

mensagem numa garrafa:

quem me dera um saca-rolha

que liberte a minha folha

deste vidro que me abafa

 

quem me dera a maresia

já houvera corroído

a carta do mar perdido

onde inda exista a poesia

 

cada vista é uma janela

e o filme do mar revela

que o sol ilha mais que o ouro

 

a trilha é o próprio tesouro

a lua é um barco de prata

à procura de um pirata

 

 

o santo

 

pelos dedos teus

deus se fez carícia

 

e se o amor não existe

que seja um delírio

triste

 

o teu medo em riste

em plena delícia

e martírio

 

 

 

a fome

 

sofro de ausência

essa ardência no âmago

esse estômago oco

 

no meio de um soco

 

 

 

a traineira

 

velha barcaça

 

deixe estar todo peixe

um dia passa

 

 

 

 

a flecha

 

meu poema não tem santo

nem pajé que quebre o encanto

do meu canto de iracema

 

não tem cacique que pare

minha pena > uma seta

de curare em sua reta

 

 

 

 

saudade é uma ponte

entre a ilha

e o horizonte

 

longe de mim

 

na praia a canoa

sem quilha

com o nome na proa

 

marfim

 

 

 

 

 

o epitáfio

 

pensando morreu um burro

cantando morreu um bardo

¨já vou tarde desse mundo”

 

seguro morreu de velho

zurrando morreu um soldado

e no silêncio, um surdo

 

janis morreu de overdose

da língua morreu o freud

e o leminski de cirrose

 

até buda teve um bode

morrer não é nenhum absurdo

cristo morreu no evangelho

 

livre

só quem não nasceu

morre você morro eu

 

morramos de joie de vivre

 

 

 

 

o portulano

 

em bom espanhol “la mar”

é uma mulher e eu acho

que eles têm lá sua razão

 

nenhum macho vai tão alto

e baixo

numa só onda

 

não há um homem que esconda

tanto pesar em seu fundo

 

ou que abrigue um mundo tão

rico e diverso e abissal

por entre as dobras dos lábios

 

que nem dez mil astrolábios

recobertos de sal

não mapearão

 

 

 

 

a ametista

 

entre o verso e a frente

de uma ideia assaz

violenta

 

há de haver um recheio

uma massa cinzenta

 

um caminho do meio

entre o norte e o sul

da coreia

 

entre o azul e o vermelho

um roxo batata

quase lilás

violeta

 

um golpe de paz

que arrebata

o diferente

 

lá no avesso do espelho

tão fino

 

o perfil cristalino

do planeta

 

 

 

 

 

 

 

o lar

 

diz a lenda que ao sul

da ilha tem uma casa

da cor do céu azul

zinho

 

com nuvens esparsas

 

é lá que as garças

cinzentas

fazem ninho

quando venta

 

e inventam asas

 

 

 

a oliveira

 

do meio do monte vejo o vasto

horizonte

de que me afasto

 

subo à fonte o cálice

cheio de mágoa

e deleite

 

não há água que azeite

tanta lástima

 

então eu rio

 

;

 

à noite o ar frio

decanta a mistura

depura

 

uma lágrima furtiva

se esquiva

dos seus olhos de oliva

 

 

 

 

a miragem

 

a lua cheia

tinge de bege a baía

de guanabara

 

um mar de areia

um saara

 

neblina esfinge

o morro da urca

como uma burca

 

 

 

o esplendor

 

depois do raio o estouro

depois da chuva a bonança

depois do choro a alegria

;

quando estia o sol transforma em ouro

as águas de chumbo da baía

 

 

o celacanto

 

zarpo do cais

na última

nau

 

nada de mau

me abala mais

o íntimo

 

me embala um ritmo

que a noite entorna

marítima

 

no céu incendeia

um balão em forma

de baleia

 

 

 

o figo

 

se é para o bem de todos

e felicidade geral dos micos

diga ao povo que ficus

 

 

 

 

 

a lanterna

 

sonho letras acesas

e enfeito a casa

 

enfronho em sedas

palavras em brasa

 

o enfadonho abecedário

feito labaredas

presas

num aquário

 

 

o ato

 

atitude é um passo

em falso pra fora

do cadafalso

 

é uma dança um salto

alto de um pé

descalço

 

é um risco um traço

que toma de assalto

o agora

 

é uma lança um laço

que ata que solta

um lenço

 

é um lance de dardo

é um barco de volta

ao vento

 

é o abraço em volta

do corpo amado

e dentro

 

 

 

a torneira

 

chuva na ilha

minh’alma lavada

escorre poesia

 

como vasilha emborcada

sob a água da pia

 

 

 

o círculo

 

navios ao mar

sigamos em frente

a terra é redonda

 

de tanto afastar

quem sabe se a gente

ainda se encontra

 

o tempo é o lugar

onde o corpo sente

e o resto é onda

 

 

 

a guanabara

 

que pasárgada que nada

vou-me embora para lá

vou ser amiga do rei

na ilha de paquetá

 

serei a mulher que eu quero

– luz del fuego, a moreninha –

vou-me embora ser rainha

eu sigo o farol que brilha

 

teu caminho escolherá

a minha cama onde fores

o mar é a única trilha

para a ilha dos amores

 

 

 

 

a tempestade

 

vendo-a tristonha à varanda

disse próspero à sua filha:

 

a vida é um sopro que sonha

não perdes por esperar

 

mira miranda

tu és o mar

cercado de ilha

 

 

 

a anunciação

 

anjo de luz que passa

 

ave marinha

cheia de garça

 

 

 

 

 

a diáspora

 

já míngua a lua

em mim agúa

uma vez mais

 

me rasgo abro

caminho corro

escorro nua

 

o jorro o sangue

das ancestrais

pelos joelhos

 

como uma língua

a atravessar

eus e o diabo

 

do caos ao mangue

pelos vermelhos

em que esse mar

 

morto me instrua

 

 

 

 

a cicatriz

 

faço prece ao meu umbigo

– já pensou se eu não estivesse

falando comigo agora?

 

o fato é que ninguém chora

ou tem saudade de si

 

se a falta arde lá fora

o buraco mora aqui

 

 

 

a barca

 

na nau dos loucos

dizem que uns poucos

cantam à proa

versos à toa

os outros comem

(menos um homem

que diz “não sigam”)

uns tantos brigam

um grupo parte

hoje pra marte

outro mergulha

tem uma agulha

de ouro no fundo

(mas todo mundo

viu que não tinha)

tem uma rainha

que nasceu muda

e pariu um buda

de barba ruiva

tem um que uiva

o resto geme

e ninguém ao leme

 

 

 

 

 

a torre

 

 

alimento com óleos

bentos meu farol no invisível

arrecife

 

esquife esculpido em murmúrio

e letra

 

pra que o casco dos olhos desatentos

não espatife à luz do sol

a mucosa sensível

do planeta

mercúrio

 

 

 

o bispo

 

um verso iníquo me escarpa

o mar como farpa

me cega

 

navega imerso em líquor

meu olhar oblíquo

 

 

 

 

o rei

 

fim do verão, o sol

que cai dá um sono, vai

pro outono ou não vai ?

 

 

 

 

a rainha

 

um poeta que se preza

não tem prega

;

entrega

 

 

 

(em resposta a poema de Carlos Moreira)

o elevador

 

ora vê se não me amola

com esse papo profundo

de que no fundo do poço

tem mola

 

pra subir há que ter força

maior do que um edifício

qualquer sapo sabe disso

 

o fundo do fosso é imundo

e tem poça

 

 

 

 

o arco-íris

 

a arte é vária e profusa

nas 7 faces da musa

 

não há na verdade um cisma

entre os verdes e os azuis

dos 7 mil tons que um prisma

reluz

 

 

 

ex libris

 

; no princípio era o bang

pondo o caos sobre tudo

 

(abrir um livro pode ter criado

o mundo)

 

e mais não disse

. a pouca elipse

 

(um livro fechado é um criado

-mudo)

 

 

 

sibila

 

sou profeta nessas sílabas

que saem das minhas ridículas

folhas, cadernos, epístolas

como sentenças, oráculos

místicos símbolos rúnicos

sibilando como víboras

entre a língua e as mandíbulas

palavras são formas físicas

palpitando sob as túnicas

piscando por trás dos óculos

fórmulas mágicas únicas

poemas têm forças trágicas

ecoando como címbalos

pela memória dos séculos

 

 

 

 

 

 

o dominó

 

de um lado

você tropeça

 

comigo sai

tudo errado

 

passo a passo

a gente cai

peça a peça

 

,

 

paciência

é o tao

 

pau a pau

pedra a pedra

do caminho

 

,

 

perda a perda

essa merda

é a sequência

perfeita

 

se na queda

a gente deita

juntinho

 

 

 

 

 

a pupila

maria eimmart viu a lua

nos tempos de galileu

e desenhou num papel

,

a maria já morreu

mas o luar continua

a mostrar a mesma face

,

se hoje à noite a lua nasce

inda mais nova e mais cheia

de sol na albina íris

,

também maria passeia

o seu olhar que prateia

a via láctea como um pires

 

 

o ritual

 

como árvore que dança

ao vento que lhe arranca

as flores e deita fora

na rua

 

colho com afinco

cada miséria

com a precisão de uma criança

séria

 

deito nua

nessa folha branca

do agora

 

a hora em que brinco

de achar que é cedo

 

de estar no começo

da música errada

 

de ter novo enredo

essa vida passada

que desconheço

 

 

 

 

 

 

 

 

o cinto

 

sinto e calo

.

cada um sabe onde lhe aperta

o falo

 

 

 

 

a fruta

 

abro-me à visita da sua vista

como revista que se abre ávida

em cada página em que se imagina

uma vagina

 

 

 

 

o mel

 

enquanto houver telhas

me assombro

 

também me cansa a poesia inútil

das tardes vermelhas

 

deixemos o mundo

às abelhas

 

 

 

as crisálidas

 

pobres lagartas rubras brasas presas

sob os cinzas dos casulos em que azulam

suas asas pretas

 

 

 

 

o anjo

 

alto lá seu moço

seu silêncio é um grito

agudo

 

cale mais baixo

mais grosso

mais fundo

 

seja macho

diga algo bonito

agora

 

ou eu levito

e voo embora

 

 

 

a lágrima

 

o pranto é o orvalho que aflora

de dentro pra fora

da planta

 

é o diamante

do último instante

antes da aurora

 

é a seiva viva do talho

é a saliva é o orgasmo

é a fonte santa

 

,

 

o líquido espanto

o espasmo

de quem chora

 

respinga estrelas no manto

de nossa senhora

 

 

 

 

 

a pitonisa

 

nasce da loucura

de nuvens de amônia

a face medonha

atroz e perfeita

de quem me procura

do lado da fronha

na câmara escura

onde a luz me sonha

quando o sol se deita

 

 

 

 

seu olho me monta

me enfeita com o brilho

de um brinco de gota

,

um pingo na ponta

do meu cílio

 

 

 

a máscara

 

minha mais cara persona

: eu sou o avesso

em carne viva

sob a capa

 

altiva ofereço a outra face

ao mesmo tapa

 

; um fraco me escapa

 

apareço onde o disfarce

desmorona

 

 

 

a tartaruga

 

cada passo um peso que passa

,

cada ruga na cara uma linha

de fuga da minha

carapaça

 

 

 

a notívaga

 

a noite vaga sem hora

senhora de si

vagabunda

 

o dia tem aonde ir

o mundo concorda

 

a cor da noite é mais funda

fenda tamanha

 

a sombra do sol me acorda

saudades galácticas

 

estrelas me são simpáticas

gente é estranha

 

 

 

 

 

odoyá

 

dia de iemanjá

me água uma sede

boa

,

ar de concha à toa

na rede de proa

da escuna

,

líquido elemento

onda de amar entro

numa

,

já me quebra um mar

por dentro

,

o resto é espuma

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IMAGEM: Impressão Digital (Ilustração Técnica para curso de Ciência Forense) - mas, para mim, é um poema concreto, repara só.

IMAGEM: Impressão Digital (Ilustração Técnica para curso de Ciência Forense) – mas, para mim, é um poema concreto, repara só.

.

o melhor cego

não tem medo

do que vê

.

a dor é um prego

.

a poesia está no dedo

de quem lê

.

 

 

 

dédalo

 

sinto

não posso salvar seu horizonte

dos becos de asfalto onde

seus olhos secos se escondem

do alto mar do meu

labirinto

.

 

 

lady newton

 

apesar da poesia

meu peso é preso a leis

mesquinhas

:

contas todo mês

fome todo dia

e a morte no fim

.

pessoas são sozinhas

.

da solidez que solapa

a si própria nem o papa escapa

.

de mim

 

 

 

 

a partitura

 

 

ópera longa faço

quatro (ou mais) atos

sinfonia dos compassos

dispersos de uma melodia

que alguém ao longe assovia

à espera dos meus versos

compactos

.

 

 

 

 

 

a agenda

 

não tenho planos

não quero nada

ando ocupada

sonhando oceanos

 

e se o meu tempo

faltar um pingo

ainda agendo

morrer domingo

 

 

o veleiro

 

a

vela

uma tela

que inspira o

vento pra dentro

dela, a brisa uma prece

que desliza e some no infinito,

|

o horizonte móvel, um arco

~ quando vou ao mar

o mundo parece

até um lugar

bonito

 

como nome de barco

 

 

o trocador

 

não importa o sentido

 

todo caminho

leva à morte

a vida é só

o transporte

 

trocando em miúdos

troco o dó

pelo sol

sustenido

 

troco a dor

de andar só

por dinheiro

(um trocadinho)

 

troco tudo

pelo idílio

de um grande amor

passageiro

 

(com trocadilho)

 

 

 

 

 

recolho o pranto

às ameixas

 

deixe-as ou ame-as

com fúria

 

calam-me infâmias

calúnias

 

planto petúnias

fúcsia

colho begônia

 

nos jardins da insônia

 

 

a serpente

 

o desejo

é um desterro

no paraíso

,

ter o outro

é um erro

tátil

do juízo

,

não é fácil

ser volátil

como um beijo

neste couro

réptil

em que rastejo

 

 

 

 

 

 

a videira

 

quem ainda vinha

vinde

 

quem definha

finde

 

quem duvida

cinde

 

a vida é um brinde

ao breve

 

,

 

quanto mais a uva passa

tanto mais leve

a taça

que me bebe

 

 

 

 

 

o abismal

 

sob a fina espessura

humana

tem um furo

de infinita fundura

 

não passa a luz nem o escuro

não passa

 

não tem submarino

que possa

com o fino da fossa

das marianas

 

o nó da garganta

a fenda do poço

o findo caminho

 

,

 

o oco da santa

a toca da louca

o reino da graça

 

,

 

meu barquinho

é de papel

 

no fundo do céu

da boca

atravesso o mundo

 

.

 

 

o dervixe

 

degrau em grau

o discípulo

dança

 

move-se em círculos

no mesmo lugar

contudo avança

 

 

 

 

 

a esclera

 

 

branco é o buraco

negro que engole o meu

olhar sanpaku

 

 

 

 

chuá

 

mergulho no azul

,

lavo o sol que me ilumina

 

;

 

dia de piscina

 

 

 

o pisca-pisca

 

vi pirilampos

no ipê do meu quintal

:

árvore de natal

 

 

 

o quasar

 

sonho uma estrela

pura aura bólida

pulsando o espaço

 

luz que sol vê-la

me deixa lua

sem terra à vista

 

objeto em órbita

sou eu na sua

assim de soslaio

 

trajeto é um traço

o raio que dista

do seu abraço

 

 

 

 

a onda

 

vaga no mar

divago

 

devagar apago

o pesar

da minha fita

 

meditar

me edita

 

 

 

o incenso

 

o ar da sua graça

dá e passa

 

escurece você  some

fumaça

no breu

 

sua ausência não consome

o aroma de romã

da minha casa

 

sua cinza é vã

 

meu amor a brasa

sou eu

 

 

.

o ó

 

essa vida só

não é pão-de-ló

rala o mocotó

 

levo no gogó

sem goró nem pó

sem forrobodó

 

calo o quiproquó

teço o meu filó

dou ponto sem nó

 

porém tenho dó

de não ter xodó

… ó!

 

canta o curió

abre-se abricó

meu borogodó

 

 

 

 

 

 

a dama de paus

 

valete de copas perdido

num castelo de cartas

de amor

 

uns 7 copos de vidro

sobre capas de disco

voador

 

um quartzo rosa

pra vencer o medo

 

um dedo de prosa

num guardanapo

 

um anjo sem braço

ornado com um laço

de esparadrapo

 

,

 

no caos do quarto me acho

surpresa

debaixo da mesa

 

 

 

 

o exercício

 

perdoar é perder

o ar

 

deixar você

deixar rolar

dizer poesia

 

se não pode prender

a inspiração

,

assopre-a

 

 

expirar é morrer

 

;

 

solidão é o prazer

da minha imprópria

companhia

 

 

 

 

 

 

 

 

a porcelana

 

um haicai de cada caco

faço do estrago

mosaico

 

 

a caça

 

a fome de um homem

mostra o seu dente

marca o seu nome

 

:

 

a carne não mente

você é quem

você come

 

 

 

 

 

o arrebol

 

quando o dia vinga

e inda vaga a lua

unha sobre a teia

tênue de luz

,

vênus se insinua

o astro-rei se inflama

,

o mar uma língua

treme sobre a areia

líquidos sedentos

,

obscenos os ventos

com suas mãos redondas

arrepiam ondas

como corpos nus

,

a terra uma cama

onde o céu se esbanja

em lençóis laranja

 

 

 

 

 

 

zenão

 

perde o alvo quando mira

forja o arco enquanto atira

fura e salva

cura e ferra

 

flecha objeto troço

metálico fálico tóxico

quando pára é paradoxo

quando mudo berra

 

;

 

se o voo é a meta

o amor sempre acerta

mesmo quando erra

a seta

 

 

 

frente e verso

 

um muro

com um só lado

não é coisa que se pense

 

¿ acaso ou fado ?

 

o futuro

a dois pertence

 

 

o túmulo

 

 

a palavra viva

que me salvaria

natimorta esfria

na tua saliva

 

 

 

 

vestígios

 

o céu deixa um pedaço

de si na poça

depois da chuva

 

e a boca fica roxa

depois do picolé

de uva

 

na contramão da sua rua

perdi um pé

do meu sapato

 

no bolso de um velho casaco

achei minha mão na sua

luva

 

 

 

 

! eparrei

 

onde é breu

meu traço

brilha

 

como aço

dando um talho

na manhã

 

não nasço

eu raio

 

filha de iansã

 

 

 

 

o tricot

.

novelos de versos idos

em fios meus dias

cumpridos

,

tessitura de cabelos

tecidos dispersos

,

escura matéria morta

que tudo embrulha

,

é muita linha torta

pra pouca agulha

.

o enxoval

 

soubera eu bordar

fazia uma colcha

amarela e roxa

para a noite e o dia

 

de um lado eu dormia

do outro era rede

no meio era verde

no fundo era o mar

 

uma colcha ancha

roxa e amarela

bordada de concha

no fundo uma pérola

 

 

 

 

a água

 

a substância de que sou feita

é a lembrança

de um entressonho da infância

que diluo

 

sou o que suo

o que sangro o que choro

por cada poro

 

ora rio ora morro

 

ora escorro

ora evaporo

o oceano

 

ser o mar é meu humano

brinquedo

 

desde cedo

tudo imerso

nada importa

 

uma garota

remota

esquece o que pensa

e paira suspensa

 

em cada gota

de neblina

uma criança

liquefeita

 

o universo dança

com uma menina

morta

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

popol vuh

 

na noite do apocalipse

maia

quero morrer na praia

do mar morto

 

e amanhecer num porto

na terra

do filho

 

todos plenos

do mesmo milho

sob vênus

 

e o astro da guerra

que se eclipse

 

 

 

 

 

 

nada é eterno

nem quando é lindo

nem no cinema

 

acabou o caderno

antes do fim do

 

 

 

 

 

 

 

janis sem jimi

roque sem roll

 

nada nesse show

me exprime

 

se eu gritar quem sou

é crime

 

 

 

a fábula

 

em nuvens desliza

sonhando com a vida

a bela adormecida

 

desmancha-se em ondas

castelos de areia

a linda sereia

 

mil e um tons de cinza

borralha uma tela

a gata cinderela

 

rubor que não estanca

derrete-se ferve

a branca de neve

 

 

o amor dando trova

e o rei só tem olhos

para a roupa nova

 

 

 

 

 

a rendeira

 

samambaias e avencas

às pencas

infiltram as frestas

os muros de cal

 

nas pedras o limo

é lindo

é limpo

ver como as saias

do tempo

filtram o quintal

das nossas festas

 

 

 

 

 

a alegria

 

estia

o avô e o neto

vão passear

 

o dia

abriu o teto

solar

 

 

 

o ramalhete

 

cai sobre a ponte

a flor acesa

do agora

 

a aurora pega o horizonte

de surpresa

 

 

 

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